domingo, 31 de outubro de 2010

A suprema felicidade

Lembro da minha alegria ao saber que Jabor voltaria a filmar. Fã de suas colunas semanais no jornal “O globo” e conhecedor da sua reputação enquanto cineasta (sua adaptação para o cinema de TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA rendeu elogios carinhosos do grande Nelson Rodrigues – além de autor da peça teatral que originou a película, uma espécie de guru de Jabor. Sem mencionar o prêmio em Cannes para Fernanda Torres por EU SEI QUE VOU TE AMAR – reconhecendo-se que o diretor tem algum mérito quanto ao todo da obra), fiquei ansioso para conferir o que viria por aí. Posteriormente, descobri que a idéia era fazer uma obra com tons autobiográficos, que se passava no Rio de Janeiro dos anos 50 e 60 e que fosse justamente uma homenagem a esse Rio de Janeiro que, infelizmente, já morreu. Creio tê-lo ouvido numa entrevista dizendo que usaria como referência algumas colunas suas em que narrou alguns episódios pitorescos de sua vida, principalmente uma em que homenageou o seu mítico avô (que, inclusive, já rendeu letra e música de Nelson Motta para uma peça com Marília Pêra). Eu havia adorado essas colunas. A expectativa só crescia.
Tentei ver o filme no Festival, mas isto se tornou uma tarefa impossível. Então, sexta, dia da estréia, lá estava eu numa sala de cinema bem próxima de você para conferir A SUPREMA FELICIDADE. Já havia lido algumas críticas negativas e umas poucas positivas e decidi que me esforçaria por gostar do filme, justamente para, só de implicância, contrariar uns e outros. Entretanto, não consegui. Não que o filme seja um desastre completo, mas simplesmente não funcionou comigo.
O filme narra, de uma maneira nem sempre lógica, realista e linear, as experiências de Paulinho, desde a sua infância até sua juventude num Rio de Janeiro que eu só conheci das histórias que meu pai contava. São recortes de costumes, personagens da cidade (o pipoqueiro, o boêmio, o comprador de antiguidades) e, principalmente, de reflexões sobre a mediocridade e a felicidade. Tenho para mim que o grande problema deste filme está na montagem. Definitivamente tem algo a ver com uma falta de ritmo, de fluidez, com que o filme é narrado. A impressão que dá, após o término da projeção, é que o cineasta tinha uma série de cenas emblemáticas (e pitorescas) na cabeça (pense na seqüência em que o personagem dança com uma moça numa espécie de exposição fotográfica sobre ectoplasmia ou em outra, mais prosaica, em que, numa briga de casal, um mamilo é exposto - o que seria deveras pungente, mas a tal falta de “clima”, para mim, fez soar despropositada), mas não sabia como dar uma coesão dramática entre elas, às vezes colocando seqüências alegres próximas demais de outras mais reflexivas, e vice versa, o que diluía a força de ambas mutuamente. Vai ver era esta a intenção dele, entretanto, se foi, pelo menos para mim, o resultado não foi exatamente satisfatório. O que me leva a crer que possivelmente a “moral” do filme está em duas falas de Noel, o avô boêmio de Paulinho, interpretado pelo sempre carismático e competente Marco Nanini: “Nada é só bom” e “nada é só ruim”. Paulinho testemunha com tristeza e certo desprezo a decadência e a mediocridade da realidade que o cerca, mas aos poucos vai percebendo que não é impossível ser feliz depois que se cresce, só mais difícil (sim, esta frase eu tirei de AS MELHORES COISAS DO MUNDO). A felicidade deixa de ser algo ingênuo, para ser uma forma madura de entender o mundo. Aurea mediocritas?
Entretanto, o filme vale pelos diálogos (ok, em certos momentos forçadamente intensos e verborrágicos demais, mas definitivamente bons, o que não é nenhuma novidade já que estamos falando de Arnaldo Jabor) e principalmente pelas atuações: Marco Nanini, Mariana Lima, Dan Stubach, Elke Maravilha e Maria Flor estão todos perfeitos em seus papéis – destaque para Maria Flor que defende um personagem complexo que facilmente descambaria para um clichê vergonhoso não fosse ela tão surpreendentemente talentosa. O filme conta ainda com marcantes participações especiais de Ary Fontoura e Jorge Loredo (mais conhecido como Zé Bonitinho), como padres do colégio em que Paulinho estudou, e de João Miguel, como o pipoqueiro que só fala safadeza para a molecada. Jayme Matarazzo e César Cardadeiro, como os melhores amigos Paulinho e Cabeção, respectivamente, não me pareceram as melhores escolhas, mesmo rendendo bons momentos, como os passados numa praia, entretanto, reconheço, ambos possuem imenso potencial.
Por fim, Jabor por Jabor prefiro o de TUDO BEM ou o de EU TE AMO. AMARCORD por AMARCORD, tendo em vista que eu não assisti o clássico de Fellini, prefiro o nosso EU ME LEMBRO, de Edgard Navarro. Contudo, torço para que Jabor prossiga neste seu retorno ao cinema. É indubitável que ainda é uma mente inspirada e, acima de tudo, inspiradora.

domingo, 17 de outubro de 2010

Tropa de Elite 2 - O inimigo agora é outro.

(AVISO: Alguns trechos deste texto podem ser considerados spoilers pelos corações mais sensíveis, mas minha opinião é de que nada que escrevi aqui compromete o impacto da obra, portanto, its up to you! Só não deixe de comentar. Antes ou depois de ver)

Preferi este TROPA DE ELITE 2 – O INIMIGO AGORA É OUTRO ao primeiro, o que não quer dizer que este seja ruim, pelo contrário, tenho as duas produções como exemplares do enorme potencial qualitativo do cinema brasileiro, ainda não muito explorado (mas bastante promissor).
Lembro do impacto que o primeiro filme me causou. Primeiramente pela coragem de remexer numa chaga purulenta e exposta como a questão da violência e da (in)segurança pública na cidade do Rio de Janeiro (retomando um pouco a discussão do excelente documentário NOTÍCIAS DE UMA GUERRA PARTICULAR, do qual TROPA parece ser (con)sequência) e segundo pela habilidade em conferir à produção um caráter quase documental, não só pelo realismo das cenas, como pela tentativa de se retratar a complexidade do real. Desta forma, somos apresentados ao já antológico Capitão Nascimento, no auge de sua forma enquanto comandante do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), uma espécie de Tropa de Elite da Polícia Militar do Rio de Janeiro, aparentemente não contaminada pela corrupção endêmica à qual a instituição parecia condenada. Nascimento, então em 1997 (ano em que o filme se passa), estava responsável por garantir a segurança e a paz na cidade quando da visita do Papa João Paulo II à mesma. Deste ponto de partida, que em si mesmo é uma ironia, uma vez que acaba (para usar uma expressão famosa do filme) “colocando na conta” do Sumo Pontífice (entidade que, ao menos em tese, deveria ser comprometida com causas humanitárias) uma série de desumanidades graças ao modus operandi do BOPE, segue-se as mais diversas discussões com temas que vão de corrupção e violência policial e relações do tráfico com a sociedade (mormente com as classes mais abastadas) a análise do comportamento humano tanto do personagem Capitão Nascimento como dos espectadores (ou será que é coincidência o fato de todos querermos a morte mais cruel para o traficante Baiano nos minutos finais da projeção?). Ao tentar mostrar “o lado da polícia” nessa guerra particular tráfico versus polícia militar (assistam o documentário, vale a pena!), cuja lógica interna de vingança experimentamos nós próprios nos minutos finais acima citados, o filme ainda foi taxado de fascista por um suposto enaltecimento do Estado Policial e do autoritarismo, o que é uma análise rasteira visto que o filme é justamente uma crítica a esta concepção.
Quando fiquei sabendo que haveria uma continuação, imediatamente pensei que se resumiria a uma tentativa do diretor José Padilha de se redimir frente às acusações de suposto propagandista do ideário fascista. Não sei por que tive esse pensamento, reconheço agora, pequeno, mas confesso que foi exatamente esperando por isso que entrei na sala de cinema. E fui novamente surpreendido. Alçando a discussão da segurança pública a outro patamar, Padilha conseguiu fazer um filme não só mais complexo como mais incendiário que o primeiro. Logo nos primeiros minutos somos lançados em uma sanguinária rebelião no complexo penitenciário de Bangu I seguida de um massacre perpetrado pelo BOPE a fim de reprimí-la, fatos que ditarão os destinos de todos os envolvidos dali em diante. O agora Capitão André Matias é retirado do BOPE, assumindo um cargo menor na PM, Fraga, ativista de direitos humanos que denunciou a violência da operação na mídia nacional e internacional, elege-se deputado e Nascimento (inicialmente já Coronel), num primeiro momento é exonerado da polícia pelo Governador, para aplacar a sanha da esquerda, mas, em seguida, é nomeado subsecretário de segurança pública, para agradar a classe média que aplaudiu o desfecho da malfadada operação. Nascimento, então, logo se dá conta de que os inimigos não eram os traficantes que ele mandava pro saco ou empalava com cabos de vassoura, mas os principais responsáveis pela penúria e corrupção na Polícia Militar e pela leniência e superficialidade nas políticas públicas de segurança, os políticos. Ao elevar o debate a esta instância o filme ganha em complexidade uma vez que agrega às questões do anterior as articulações político-eleitoreiras, a importância da mídia, a manipulação da opinião pública e o crescimento das milícias e sua cada vez mais íntima (e deplorável) relação com o poder instituído. Como li (e concordo), a cena em que Nascimento quase mata de porrada um deputado em um dado momento do filme é das cenas mais emblemáticas, por que catárticas, do cinema nacional. Aliás, que sirva de recado a estes agentes políticos, não a cena, mas como reagem as pessoas que a assistem. Fica a dica.
Se no primeiro filme, Wagner Moura, graças a seu incomparável talento, tornou o Capitão Nascimento em um dos mais conhecidos e cultuados ícones da nossa cultura pop, neste, o ator dá, mais uma vez, prova de sua monumental competência. No anterior, Nascimento era vigoroso, marrento, truculento, apaixonado por seu ofício, com o desafio de conciliar realidades emocionais tão díspares como uma invasão de uma favela e o nascimento de seu primeiro filho (sendo a cena em que ele escuta pelo celular, em plena missão de tomada de um morro, os batimentos do coração da criança numa sessão de ultrassonografia, uma das mais significativas disto). Neste, vê-se que ele certamente ainda mantém muitas daquelas características, entretanto, é evidente que está cansado. Ombros arqueados, uma angústia quase palpável, olhar mais perdido, tudo isso certamente fruto dos anos à frente de tarefa tão árdua, mas também, indubitavelmente de sua profunda incapacidade de lidar com aspectos de sua vida pessoal. Agora separado, sua ex-mulher está casada com um homem quase diametralmente oposto, ao menos em concepção de mundo (já que em termos da paixão com que exercem seus misteres, ambos são praticamente almas gêmeas) e seu filho, graças a este contexto, cresceu distante do pai, sendo o jiu-jitsu uma das únicas maneiras que os dois têm de se relacionar (o que é bastante revelador quanto a essência de Nascimento). Não bastasse isso, o personagem passa por um significativo processo de amadurecimento durante a narrativa, construindo um belo arco dramático que culmina com reflexões e declarações finais bombásticas como “A PM do Rio tem que acabar”.
Outra impactante surpresa é uma das grandes revelações do filme, já apontado como o possível maior vilão do cinema nacional, Sandro Rocha, que interpreta o Major Rocha da PM, mas também um cruel líder de milícia. Sou bastante suspeito para falar. Conheço Sandro desde criança e talvez minha opinião possa parecer parcial. Mas ouso dizer que não é, pois já percebi que é muito mais fácil eu me incomodar com um trabalho mal feito de uma pessoa que eu conheço do que com o de uma pessoa que eu não conheço. E posso dizer que Sandro em nenhum momento me envergonhou, pelo contrário, orgulhei-me de ver que ele soube aproveitar com genialidade talvez a maior oportunidade de sua vida para mostrar seu inegável talento, que eu já conhecia seja de momentos mais informais, quando ele divertia a todos no play de nosso prédio com suas impagáveis imitações, seja de suas primeiras experiências artísticas, como em sua peça de conclusão de curso na Casa de Artes de Laranjeiras, “Sangue no pescoço do gato”, de Fassbinder, que assisti, talvez nos idos de 1997.
Em resumo, por todos os seus méritos acima elencados, ao bater sucessivos recordes de bilheteria, cair nas graças de público e crítica, TROPA DE ELITE 2 – O INIMIGO AGORA É OUTRO já é um clássico do cinema nacional e, por isso, imperdível.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Festival do Rio - The end

Ao todo, assisti 14 filmes neste festival. Para quem, nos outros anos, quatro filmes era um recorde, até que este foi um desempenho admirável. Portanto, depois da última sessão dupla aqui relatada ainda assisti mais cinco filmes, que passarei, brevemente (juro), a comentar.

A REGATA (La Régate, Bernard Bellefroid, França/Bélgica/Luxemburgo, 2009)
Grata surpresa. A idéia era tentar assistir O ÚLTIMO SONHO DE PINA BAUSCH no Estação Ipanema numa sessão de horário próximo. Lá chegando, descobri que tal sessão era mais disputada do que eu supunha e estava lotada. Peguei a programação e fui olhar as sinopses dos filmes que estavam por começar e, de todos, este A REGATA me pareceu a melhor opção.
Narra a história de Alex (Joffrey Verbruggen), um rapaz de 15 anos, apaixonado por remo, esporte no qual se destaca, e que tem uma relação pra lá conturbada com o pai Thierry (Thierry Hancisse). Filmes de relação pai e filho tem o condão de me emocionar com muito pouco. Por mais que a minha relação com meu pai fosse diametralmente oposta à mostrada no filme, de alguma forma, reconheci muitos elementos dela ali. Talvez porque certas coisas de afetos e traumas sejam mesmo universais, em maior ou menor grau, mas eu divago.
O filme retrata uma relação doentia entre pai e filho. O pai é o sujeito fracassado que, com inveja da juventude e do sucesso do filho no remo, faz de tudo para sabotá-lo para, depois, secretamente, morrer de remorso. O filho é o menino que percebe o comportamento do pai, até se rebela contra ele, mas não consegue deixá-lo para não se sentir culpado. Tudo isso retratado de maneira muito sensível, com uma câmera privilegiando o excepcional desempenho dos atores e num ritmo que acentua a melancolia e a revolta de Alex. Verbruggen e Hancisse conferem a seus personagens uma credibilidade imensa seja nos momentos de embates (muitas vezes físico mesmo), seja nos momentos em que ensaiam algum afeto. É extremamente comovente uma cena em que Alex, tão desacostumado a demonstrações de carinho, ganha um presente singelo de seus amigos e se emociona de forma que deixa os mesmos surpresos pela desproporção da reação.

STONES IN EXILE (Stones in exile, Stephen Kijak, Reino Unido, 2010)
O filme retorna a 1972, quando os Rolling Stones, fugindo da excessiva carga tributária do Reino Unido, mudaram-se para o sul da França. Na verdade, a lendária mansão que abrigou a banda era só de Keith Richards, mas, pouco a pouco, todos foram mudando para lá para darem início à gravação do álbum “Exile on Main St.”, um dos mais aclamados da música mundial.
O filme é bacana, principalmente para os fãs da banda, por todo material de arquivo que apresenta. Em vez de mostrar os participantes dando seus depoimentos, como tradicionalmente se faz nos documentários, optou-se por ilustrá-los com fotografias da época, o que é uma solução interessante para a imersão na atmosfera de sexo, drogas e muito rock n´ roll que aquela temporada francesa foi.
Certamente os mais fãs da banda (o que não é o meu caso, mas por puro desconhecimento, visto que após vê-lo, entendi porque os caras são tidos como monstros sagrados do rock) sabem a preciosidade inestimável que é este filme, o que me dispensa recomendá-los. Desta forma fica a recomendação para aqueles que, como eu, não são tão profundos conhecedores da banda, para que entendam um pouquinho não só sobre a mesma, mas sobre uma época tão efervescente culturalmente quanto os anos 60/70.

A SOLIDÃO DOS NÚMEROS PRIMOS (La Solitudine Dei Numeri Primi, Saverio Constanzo, Itália, 2010)
Baseado no romance homônimo de Paulo Giordano (também responsável pelo roteiro junto ao diretor, Saverio Constanzo), esse filme narra a história de Mattia e Alice, personagens que, desde crianças, lidam com traumas que os tornam cada vez mais isolados da sociedade e cujas vidas inevitavelmente se cruzam em épocas diferentes. Apoiando-se numa idéia de sincronicidade, a história é dividida, basicamente, em três épocas distintas: Infância, adolescência e juventude dos personagens, se comunicando não somente quanto aos infortúnios acontecidos em cada época como também criando padrões que se repetem em diferentes épocas. Aos poucos vamos descobrindo as dores e os traumas de cada um e a razão da ligação tão forte que os une, tudo conduzido de uma maneira muito envolvente e terna. Sem dúvida, em termos de cinema, este foi dos melhores que vi no Festival.

29 PALMS (Twentynine Palms, Bruno Dumont, França/Alemanha, 2010)
Eu tinha a idéia de tentar ver pelo menos um filme das mostras específicas do Festival (A humanidade de acordo com Bruno Dumont, Essencial Skolimowski e Foco Argentina). Só não consegui ver um do Skolimowski. Confesso que esperava mais de um filme do Bruno Dumont. Nunca havia ouvido falar nele até este Festival e, quando fui procurar, li boas recomendações de fontes confiáveis. O que ficou deste filme, para mim, foi, ok, uma grande competência para o uso da câmera (o cara, obviamente, sabe filmar – sim, existem auto-proclamandos cineastas que não sabem) e um ensaio sobre uma variante do conceito de risco e sobre a aleatoriedade da violência humana.

O ÚLTIMO SONHO DE PINA BAUSCH
(Tanzträume – Judgendliche Tanzen “Kontakthof” von Pina Bausch, Anne Linsel, Rainer Hoffman, Alemanha, 2009)
A primeira vez que dança fez sentido para mim, enquanto arte, foi justamente com um trecho de uma peça de Pina Bausch, consagrada dançarina e coreógrafa alemã, que o Almodóvar escolheu para abrir FALE COM ELA. Era um trecho de Café Muller, uma das peças mais famosas de Bausch. Até então, eu via dança apenas como mero espetáculo visual, sem muito envolvimento emocional. Depois de Café Muller, isto mudou.
Neste documentário é mostrado todo o trabalho de montagem de uma de suas peças com adolescentes que nunca haviam tido qualquer experiência com dança, no que provavelmente foi um de seus últimos trabalhos, visto que, infelizmente, ela faleceu em meados do ano passado. É muito bacana ver toda a evolução do grupo, o crescente envolvimento afetivo-emocional deles entre si e com o trabalho e, principalmente ter um pouco mais de contato com essa personalidade ainda tão pouco conhecida por mim (só a tinha visto dançando, mas nunca falando, interagindo com as pessoas – por mais que ela apareça tão pouco é inegável que suas aparições são, graças ao seu carisma, alguns dos pontos altos do filme). Fechou o Festival com chave de ouro.

sábado, 2 de outubro de 2010

O Festival e eu (III)

Uma coisa que descobri depois da minha última orgia cinematográfica neste Festival foi que três filmes ou mais no mesmo dia, para mim, simplesmente não dá. Fico admirado de ver pessoas que tiram o dia para verem filmes. Verdadeiros maratonistas. Eu, depois do terceiro filme, estava até meio desorientado, queria mesmo ir para minha casa e fazer qualquer outra coisa que não se assemelhasse a ver filme.
Entretanto, depois da overdose, veio a crise de abstinência. E ontem, parti para mais uma sessão dupla.
O primeiro filme foi MONSTROS (Monsters, Gareth Edwards, Reino Unido, 2010). Como vem sendo bastante recorrente neste Festival, o diretor do filme estava presente na sessão. Não sei se porque nos outros anos eu não fui tão assíduo quanto neste, ou se realmente desta vez a organização do evento se esmerou mais em trazer os realizadores, mas fato é que este já é o quarto filme que vejo, que conta com a presença de algum membro da produção. Acho isso bem bacana principalmente por dois motivos: o primeiro, mais genérico, pela visibilidade que confere ao Festival, cada vez mais sólido e tradicional; o segundo pela possibilidade de troca com os espectadores. Basta dizer que, sem este encontro, eu provavelmente não saberia que os únicos atores do filme eram os dois personagens principais e que os excelentes efeitos visuais não foram feitos por nenhum grande estúdio, mas, nas palavras da tradutora (não me recordo da expressão original em inglês usada pelo diretor), “feitos em casa”, o que, no decorrer da projeção, revelam-se informações impressionantes.
A premissa do filme é interessante. Após a descoberta de vida em um determinado planeta, a NASA envia uma sonda a fim de recolher amostras para pesquisa. Algo dá errado e, em seu retorno, a sonda cai em território mexicano. Os seres alienígenas, então, proliferam-se na região, que passa a se chamar Zona Infectada e esta passa a contar com um forte aparato de segurança, principalmente por ser exatamente a zona de fronteira com os EUA. Andrew Kaulder (Scoot McNairy), um jornalista fotográfico, é enviado para uma região próxima para resgatar Sam (Whitney Albe), a filha do dono da revista para a qual trabalha.
Logo nos eletrizantes minutos iniciais vemos um comboio do exército americano (com um soldado entoando “Cavalgada das Valquírias”, evocando o clássico personagem de Robert Duvall em “Apocalypse Now”) seguindo pela Zona Infectada e sendo atacado por uma das gigantescas criaturas. Era, principalmente, os home made (será que foi essa expressão?) efeitos visuais dizendo ao que vieram. Daí em diante, o filme passa a apresentar os personagens e a trama. Tanto McNairy quanto Albe estão excelentes, ele no papel do jornalista fotográfico fanfarrão e sedutor, e ela no de filha de pai rico insatisfeita com os rumos de sua vida. Como dito, a missão dele é levá-la em segurança de volta aos Estados Unidos, só que como todo bom fotojornalista que vive na pindaíba, ele decide também aproveitar a oportunidade para ver se consegue fazer seu pé de meia com algumas imagens das tragédias (como ele diz em dado momento, imagens de crianças mortas valem alguns milhares de dólares e de crianças felizes não valem nada). Alguns imprevistos acontecem e a única maneira deles chegarem aos EUA é atravessando a Zona Infectada por terra.
Um dos grandes problemas do filme é não saber exatamente qual filão explorar, ou talvez querer conferir uma complexidade à situação, sem, entretanto, mostrar-se suficientemente maduro para tal. Quando mencionei que os primeiros minutos serviam principalmente para os efeitos visuais dizerem ao que vieram, foi porque o tipo de filme que insinuam é completamente diferente do que se vê em seguida. Não é propriamente um filme de ação, a metáfora zona de fronteira/zona infectada parece não evoluir deste trocadilho e a alternativa “filme de ET”, aventada quando das primeiras aparições dos bicharocos, é abandonada logo em seguida, restando apenas a possibilidade de que desde o início a idéia era a de um filme sobre romance em situações adversas. Ficamos sem saber também o que diabos Sam fazia naquele lugar, por que seu pai milionário não mandou um jatinho fretado para buscá-la, por que não recorreram à Embaixada quando do sumiço de um dos passaportes, tendo em vista que a situação fora da zona infectada parecia razoavelmente controlada e ainda, para quê tanta atenção a uma atadura no braço de um dos personagens se, ao final, a lesão (cuja origem também não é explicada) mostra-se irrelevante para a história.
Mesmo assim, o filme possui alguns méritos. Além da boa atuação dos únicos atores, já mencionada, e dos efeitos especiais, o filme consegue entreter criando uma boa atmosfera de tensão e também graças à boa química do casal principal.
O filme seguinte foi LA CASA MUDA (La casa muda, Gustavo Hernández, Uruguai, 2010). Descobri-o meio que por acaso na internet há uns meses e fiquei acompanhando para saber se iria estrear em algum momento. Ficou famoso não só por ter custado somente 6.000 dólares mas também por ser todo filmado com uma câmera fotográfica comum em forma de plano-seqüência (sem cortes). Segundo li na internet, a história é inspirada em um crime bárbaro ocorrido na década de 40 em que dois corpos foram encontrados mutilados em uma casa em um local isolado no Uruguai sem que se tivesse qualquer pista do assassino e muito menos das motivações.
O filme, então, acompanha, em tempo real, o terror vivido por Laura e seu pai Wilson ao descobrirem que não estão sozinhos na casa abandonada (e isolada) que foram encarregados de reformar.
Explorando habilmente a máxima dos filmes do gênero de que o que realmente assusta é aquilo que não é mostrado, o filme é extremamente eficiente ao construir uma atmosfera de absoluto terror. A casa abandonada em questão além de aparentemente não ser aberta há, pelo menos, uns cem anos, devido ao seu mobiliário antigo e estado precário de conservação (leia-se produção de arte indefectível), não conta com energia elétrica, o que obriga toda a ação a se passar em uma escuridão parcamente iluminada por lanternas e velas trazidas pelos personagens.
O filme caminha bem até um pouco antes do final, quando os mistérios começam a ser revelados. Se nos primeiros momentos, a idéia era a de uma concepção realista dos acontecimentos, aos poucos isto vai sendo abandonado, o que levou a platéia da sessão em que eu estava aos risos em algumas sequencias envolvendo uma boneca e outras envolvendo uma máquina Polaroid (justiça seja feita, uma das cenas mais aterradoras da projeção tem justamente a ver com a Polaroid, num contexto que me lembrou um pouco, mutatis mutandis, esta cena de O SILÊNCIO DOS INOCENTES).
O opção pela câmera fotográfica, além de representar talvez o principal motivo do baixo custo da produção, favoreceu-a justamente devido aos seus limitados recursos que somente possibilitam um enquadramento menos abrangente. Isto, além de conferir um clima claustrofóbico, realça, como dito, o lado misterioso da escuridão, uma vez que nos leva a pensar nos perigos que estão fora de quadro. Quando fiquei sabendo desta proposta, imaginei que a câmera seria subjetiva, à la A BRUXA DE BLAIR, mas não era, salvo nos minutos finais, cuja transição é bastante hábil e sutil.
Por fim, a idéia de fazer todo o filme em um plano-sequência, revela-se desnecessária (para não dizer puro exibicionismo, tendo em vista as inúmeras dificuldade que este recurso enfrenta), uma vez que para sentir-se terror em tempo real a presença, ou não, de cortes é irrelevante. Ainda assim, é um filme recomendável.