domingo, 31 de outubro de 2010

A suprema felicidade

Lembro da minha alegria ao saber que Jabor voltaria a filmar. Fã de suas colunas semanais no jornal “O globo” e conhecedor da sua reputação enquanto cineasta (sua adaptação para o cinema de TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA rendeu elogios carinhosos do grande Nelson Rodrigues – além de autor da peça teatral que originou a película, uma espécie de guru de Jabor. Sem mencionar o prêmio em Cannes para Fernanda Torres por EU SEI QUE VOU TE AMAR – reconhecendo-se que o diretor tem algum mérito quanto ao todo da obra), fiquei ansioso para conferir o que viria por aí. Posteriormente, descobri que a idéia era fazer uma obra com tons autobiográficos, que se passava no Rio de Janeiro dos anos 50 e 60 e que fosse justamente uma homenagem a esse Rio de Janeiro que, infelizmente, já morreu. Creio tê-lo ouvido numa entrevista dizendo que usaria como referência algumas colunas suas em que narrou alguns episódios pitorescos de sua vida, principalmente uma em que homenageou o seu mítico avô (que, inclusive, já rendeu letra e música de Nelson Motta para uma peça com Marília Pêra). Eu havia adorado essas colunas. A expectativa só crescia.
Tentei ver o filme no Festival, mas isto se tornou uma tarefa impossível. Então, sexta, dia da estréia, lá estava eu numa sala de cinema bem próxima de você para conferir A SUPREMA FELICIDADE. Já havia lido algumas críticas negativas e umas poucas positivas e decidi que me esforçaria por gostar do filme, justamente para, só de implicância, contrariar uns e outros. Entretanto, não consegui. Não que o filme seja um desastre completo, mas simplesmente não funcionou comigo.
O filme narra, de uma maneira nem sempre lógica, realista e linear, as experiências de Paulinho, desde a sua infância até sua juventude num Rio de Janeiro que eu só conheci das histórias que meu pai contava. São recortes de costumes, personagens da cidade (o pipoqueiro, o boêmio, o comprador de antiguidades) e, principalmente, de reflexões sobre a mediocridade e a felicidade. Tenho para mim que o grande problema deste filme está na montagem. Definitivamente tem algo a ver com uma falta de ritmo, de fluidez, com que o filme é narrado. A impressão que dá, após o término da projeção, é que o cineasta tinha uma série de cenas emblemáticas (e pitorescas) na cabeça (pense na seqüência em que o personagem dança com uma moça numa espécie de exposição fotográfica sobre ectoplasmia ou em outra, mais prosaica, em que, numa briga de casal, um mamilo é exposto - o que seria deveras pungente, mas a tal falta de “clima”, para mim, fez soar despropositada), mas não sabia como dar uma coesão dramática entre elas, às vezes colocando seqüências alegres próximas demais de outras mais reflexivas, e vice versa, o que diluía a força de ambas mutuamente. Vai ver era esta a intenção dele, entretanto, se foi, pelo menos para mim, o resultado não foi exatamente satisfatório. O que me leva a crer que possivelmente a “moral” do filme está em duas falas de Noel, o avô boêmio de Paulinho, interpretado pelo sempre carismático e competente Marco Nanini: “Nada é só bom” e “nada é só ruim”. Paulinho testemunha com tristeza e certo desprezo a decadência e a mediocridade da realidade que o cerca, mas aos poucos vai percebendo que não é impossível ser feliz depois que se cresce, só mais difícil (sim, esta frase eu tirei de AS MELHORES COISAS DO MUNDO). A felicidade deixa de ser algo ingênuo, para ser uma forma madura de entender o mundo. Aurea mediocritas?
Entretanto, o filme vale pelos diálogos (ok, em certos momentos forçadamente intensos e verborrágicos demais, mas definitivamente bons, o que não é nenhuma novidade já que estamos falando de Arnaldo Jabor) e principalmente pelas atuações: Marco Nanini, Mariana Lima, Dan Stubach, Elke Maravilha e Maria Flor estão todos perfeitos em seus papéis – destaque para Maria Flor que defende um personagem complexo que facilmente descambaria para um clichê vergonhoso não fosse ela tão surpreendentemente talentosa. O filme conta ainda com marcantes participações especiais de Ary Fontoura e Jorge Loredo (mais conhecido como Zé Bonitinho), como padres do colégio em que Paulinho estudou, e de João Miguel, como o pipoqueiro que só fala safadeza para a molecada. Jayme Matarazzo e César Cardadeiro, como os melhores amigos Paulinho e Cabeção, respectivamente, não me pareceram as melhores escolhas, mesmo rendendo bons momentos, como os passados numa praia, entretanto, reconheço, ambos possuem imenso potencial.
Por fim, Jabor por Jabor prefiro o de TUDO BEM ou o de EU TE AMO. AMARCORD por AMARCORD, tendo em vista que eu não assisti o clássico de Fellini, prefiro o nosso EU ME LEMBRO, de Edgard Navarro. Contudo, torço para que Jabor prossiga neste seu retorno ao cinema. É indubitável que ainda é uma mente inspirada e, acima de tudo, inspiradora.

2 comentários:

  1. Já tive um debate acalorado com Gabriel sobre esse filme, pois realmente GOSTEI MUITO da produção como um todo.
    Minha visão é que o filme exige sensibilidade e um desapego do modelo padrão de montagem que se vê por aí e, por isso, concordo que "o filme narra, de uma maneira nem sempre lógica, realista e linear" sua história. Mas creio ser proposital, e eu embarquei na trama.

    Jabor constrói cenas muito bonitas, mesclando cores, contrastes e emoções. Também provoca no público gargalhadas francas, reinventando piadas e resgatando questionamentos que boa parte de nós também tem na memória, provavelmente envoltos pela aura do secreto e sagrando, da época da ingenuidade.
    Decerto que algumas cenas carecem de fidedignidade, como a cena da briga do casal, em que "um [pouco mais de um] mamilo é exposto". Mas são passagens curtas, sobre as quais se apegar representa, para mim, uma má vontade em seguir acompanhando a história.

    Sobre a "dança com uma moça numa espécie de exposição fotográfica": foi estranho. Achei de um grande espírito de aventura de Paulinho ter atravessado aquele portão, e não sair correndo após os primeiros 5 min. foi de uma curiosidade tão insana quanto a mentalidade da personagem interpretada por Maria Flor (que merece muitos aplausos pela atuação)... mas gostei, e ainda digo que acrescenta na "coesão dramática".

    Mas depois de 2h05 de filme, a pergunta que pode ficar é: "Por que o filme se chama A Suprema Felicidade"? Não acho que seja muito óbvia a razão, e a que Gabriel aqui nos expôs ("Nada é só bom" e "nada é só ruim") é, para mim, apenas uma das possibilidades que, indubitavelmente, ganha ainda mais sentido após ver o filme. Afinal, depois de tantas histórias e ricos diálogos a que nos Jabor expõe, é fácil surgirem ainda outras tantas morais complementares e pessoais (minha sugestão é que vc também procure pela sua).

    Digo que gostei do que vi e que a trama me transportou. Mas admito, sem vergonha nisso, que a falta do olhar analista e crítico (olhar viciado?) foi provavelmente um dos componentes para eu ter tido pelo filme tanta empatia.

    Abraços!

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  2. Depois dos 8305803 de Rodrigo, até me encabulo de escrever! =D

    Chu, está atingindo a perfeição nas suas observações. Como eu disse há tempos, está ganhando uma identidade que ninguém consegue te tirar.

    Percebi que a cada leitura já espero algo melhor. Isso é muito bom. Não se assuste.

    Beijos.

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