(AVISO: Alguns trechos deste texto podem ser considerados spoilers pelos corações mais sensíveis, mas minha opinião é de que nada que escrevi aqui compromete o impacto da obra, portanto, its up to you! Só não deixe de comentar. Antes ou depois de ver)
Preferi este TROPA DE ELITE 2 – O INIMIGO AGORA É OUTRO ao primeiro, o que não quer dizer que este seja ruim, pelo contrário, tenho as duas produções como exemplares do enorme potencial qualitativo do cinema brasileiro, ainda não muito explorado (mas bastante promissor).
Lembro do impacto que o primeiro filme me causou. Primeiramente pela coragem de remexer numa chaga purulenta e exposta como a questão da violência e da (in)segurança pública na cidade do Rio de Janeiro (retomando um pouco a discussão do excelente documentário NOTÍCIAS DE UMA GUERRA PARTICULAR, do qual TROPA parece ser (con)sequência) e segundo pela habilidade em conferir à produção um caráter quase documental, não só pelo realismo das cenas, como pela tentativa de se retratar a complexidade do real. Desta forma, somos apresentados ao já antológico Capitão Nascimento, no auge de sua forma enquanto comandante do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), uma espécie de Tropa de Elite da Polícia Militar do Rio de Janeiro, aparentemente não contaminada pela corrupção endêmica à qual a instituição parecia condenada. Nascimento, então em 1997 (ano em que o filme se passa), estava responsável por garantir a segurança e a paz na cidade quando da visita do Papa João Paulo II à mesma. Deste ponto de partida, que em si mesmo é uma ironia, uma vez que acaba (para usar uma expressão famosa do filme) “colocando na conta” do Sumo Pontífice (entidade que, ao menos em tese, deveria ser comprometida com causas humanitárias) uma série de desumanidades graças ao modus operandi do BOPE, segue-se as mais diversas discussões com temas que vão de corrupção e violência policial e relações do tráfico com a sociedade (mormente com as classes mais abastadas) a análise do comportamento humano tanto do personagem Capitão Nascimento como dos espectadores (ou será que é coincidência o fato de todos querermos a morte mais cruel para o traficante Baiano nos minutos finais da projeção?). Ao tentar mostrar “o lado da polícia” nessa guerra particular tráfico versus polícia militar (assistam o documentário, vale a pena!), cuja lógica interna de vingança experimentamos nós próprios nos minutos finais acima citados, o filme ainda foi taxado de fascista por um suposto enaltecimento do Estado Policial e do autoritarismo, o que é uma análise rasteira visto que o filme é justamente uma crítica a esta concepção.
Quando fiquei sabendo que haveria uma continuação, imediatamente pensei que se resumiria a uma tentativa do diretor José Padilha de se redimir frente às acusações de suposto propagandista do ideário fascista. Não sei por que tive esse pensamento, reconheço agora, pequeno, mas confesso que foi exatamente esperando por isso que entrei na sala de cinema. E fui novamente surpreendido. Alçando a discussão da segurança pública a outro patamar, Padilha conseguiu fazer um filme não só mais complexo como mais incendiário que o primeiro. Logo nos primeiros minutos somos lançados em uma sanguinária rebelião no complexo penitenciário de Bangu I seguida de um massacre perpetrado pelo BOPE a fim de reprimí-la, fatos que ditarão os destinos de todos os envolvidos dali em diante. O agora Capitão André Matias é retirado do BOPE, assumindo um cargo menor na PM, Fraga, ativista de direitos humanos que denunciou a violência da operação na mídia nacional e internacional, elege-se deputado e Nascimento (inicialmente já Coronel), num primeiro momento é exonerado da polícia pelo Governador, para aplacar a sanha da esquerda, mas, em seguida, é nomeado subsecretário de segurança pública, para agradar a classe média que aplaudiu o desfecho da malfadada operação. Nascimento, então, logo se dá conta de que os inimigos não eram os traficantes que ele mandava pro saco ou empalava com cabos de vassoura, mas os principais responsáveis pela penúria e corrupção na Polícia Militar e pela leniência e superficialidade nas políticas públicas de segurança, os políticos. Ao elevar o debate a esta instância o filme ganha em complexidade uma vez que agrega às questões do anterior as articulações político-eleitoreiras, a importância da mídia, a manipulação da opinião pública e o crescimento das milícias e sua cada vez mais íntima (e deplorável) relação com o poder instituído. Como li (e concordo), a cena em que Nascimento quase mata de porrada um deputado em um dado momento do filme é das cenas mais emblemáticas, por que catárticas, do cinema nacional. Aliás, que sirva de recado a estes agentes políticos, não a cena, mas como reagem as pessoas que a assistem. Fica a dica.
Se no primeiro filme, Wagner Moura, graças a seu incomparável talento, tornou o Capitão Nascimento em um dos mais conhecidos e cultuados ícones da nossa cultura pop, neste, o ator dá, mais uma vez, prova de sua monumental competência. No anterior, Nascimento era vigoroso, marrento, truculento, apaixonado por seu ofício, com o desafio de conciliar realidades emocionais tão díspares como uma invasão de uma favela e o nascimento de seu primeiro filho (sendo a cena em que ele escuta pelo celular, em plena missão de tomada de um morro, os batimentos do coração da criança numa sessão de ultrassonografia, uma das mais significativas disto). Neste, vê-se que ele certamente ainda mantém muitas daquelas características, entretanto, é evidente que está cansado. Ombros arqueados, uma angústia quase palpável, olhar mais perdido, tudo isso certamente fruto dos anos à frente de tarefa tão árdua, mas também, indubitavelmente de sua profunda incapacidade de lidar com aspectos de sua vida pessoal. Agora separado, sua ex-mulher está casada com um homem quase diametralmente oposto, ao menos em concepção de mundo (já que em termos da paixão com que exercem seus misteres, ambos são praticamente almas gêmeas) e seu filho, graças a este contexto, cresceu distante do pai, sendo o jiu-jitsu uma das únicas maneiras que os dois têm de se relacionar (o que é bastante revelador quanto a essência de Nascimento). Não bastasse isso, o personagem passa por um significativo processo de amadurecimento durante a narrativa, construindo um belo arco dramático que culmina com reflexões e declarações finais bombásticas como “A PM do Rio tem que acabar”.
Outra impactante surpresa é uma das grandes revelações do filme, já apontado como o possível maior vilão do cinema nacional, Sandro Rocha, que interpreta o Major Rocha da PM, mas também um cruel líder de milícia. Sou bastante suspeito para falar. Conheço Sandro desde criança e talvez minha opinião possa parecer parcial. Mas ouso dizer que não é, pois já percebi que é muito mais fácil eu me incomodar com um trabalho mal feito de uma pessoa que eu conheço do que com o de uma pessoa que eu não conheço. E posso dizer que Sandro em nenhum momento me envergonhou, pelo contrário, orgulhei-me de ver que ele soube aproveitar com genialidade talvez a maior oportunidade de sua vida para mostrar seu inegável talento, que eu já conhecia seja de momentos mais informais, quando ele divertia a todos no play de nosso prédio com suas impagáveis imitações, seja de suas primeiras experiências artísticas, como em sua peça de conclusão de curso na Casa de Artes de Laranjeiras, “Sangue no pescoço do gato”, de Fassbinder, que assisti, talvez nos idos de 1997.
Em resumo, por todos os seus méritos acima elencados, ao bater sucessivos recordes de bilheteria, cair nas graças de público e crítica, TROPA DE ELITE 2 – O INIMIGO AGORA É OUTRO já é um clássico do cinema nacional e, por isso, imperdível.
A característica que mais me fascina nesse filme é a quantidade elementos e discussões que ele propõe, com a maior coesão possível e sem parecer parecer superficial. Pelo contrário, estou extremamente surpreso com a capacidade de terem feito um filme tão contundente em apenas duas horas.
ResponderExcluirNão sei porque o comentário saiu sem o final, mas eu escrevi também que fiquei curioso pra ver esse documentário que você citou.
ResponderExcluirTambém não sei o que aconteceu. Aprovei o comentário conforme ele chegou, até porque acho que nem dá pra editar os textos dos comentários.
ResponderExcluirQuanto ao "Notícias(...)" é um documentário do João Moreira Salles e da Kátia Lund que trata justamente da guerra BOPE x Tráfico de drogas, com depoimentos do então Capitão Rodrigo Pimentel (que inspirou o Nascimento) e do delegado Helio Luz. É um clássico também.
Gostei muito do filme.
ResponderExcluirO que mais me impressionou foi a trama, tão complexa e cheia de histórias. (Sai de lá entendendo perfeitamente a crítica de que a Saga Crepúsculo, já com 3 (três!) filmes, tem um enredo que cabe num parágrafo)
E o que mais gostei foi a ousadia em convidar abertamente o espectador a questionar o sistema em que está inserido (não impressionou pq espero, há tempos, que um filme brasileiro de massa tome para si essa responsabilidade).
Abraços.