quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O Festival e eu (II)

Acompanho o Festival há alguns anos e sempre considerei escolher filmes na extensa programação divulgada uma tarefa difícil. Que filmes priorizar? Os blockbuster que depois estrearão em circuito de qualquer forma? Os obscuros de origem duvidosa, mas com sinopse interessante e prêmios internacionais na bagagem? Nessa escolha de Sofia eu acabava tentando me dividir um pouco entre uns e outros, e quando me dava conta, eu tinha visto mesmo os blockbuster de circuitão, salvo raras exceções.
Este ano está sendo o primeiro em que resolvi ousar, confiando mais na minha intuição. A neura de que só eu estou perdendo os melhores filmes do festival e que todo mundo está super antenado e super por dentro das boas, continua aqui, mas estou conseguindo controlá-la pesquisando um pouco aqui e ali, ouvindo opiniões, por que ninguém é de ferro, e definitivamente não é a minha intuição exatamente o que há de mais infalível na face na Terra.
Comecei o dia de ontem com BURACO NEGRO (L´autre monde, Gilles Marchand, França/Bélgica, 2009). Foi tiro no escuro (ops!) total. A sinopse na internet parecia interessante e as fotos de divulgação razoáveis (muito embora eu tenha aprendido que nem sempre as fotos de divulgação do site do festival seguem o padrão da fotografia do filme, o que já me acarretou algumas decepções). Escolhido o filme pela capa, lá fui eu conferir a precisão do meu palpite.
Logo na seqüência inicial, uma cena noturna em uma realidade computadorizada em que uma mulher se atira do alto de um prédio cortando, numa espécie de raccord, para uns rapazes pulando na água de um trampolim num dia ensolarado no “mundo real” (tudo isso ao som de uma trilha sonora que me remeteu a Angelo Badalamenti e seus trabalhos com David Lynch), pensei: promete! Impossível não ficar seduzido, conjecturando sobre a relação entre os dois universos com uma introdução tão impactante. Meu palpite estava funcionando.
A partir daí somos introduzidos à trama principal: Gaspard, jovem francês de férias no sul da França descobre um celular perdido e, instigado pela namorada, Marion, resolve investigar a vida de sua bela e misteriosa proprietária, Audrey, uma moça com tendência suicidas. Permeando tudo, há o jogo de realidade virtual “Black Hole”.
Misturando computação gráfica com película e alternando eficientemente as duas realidades, o filme funciona muito bem na construção de um universo que vai se mostrando cada vez mais instigante e perigoso. A bela Louise Bourgoin encarna uma irresistível femme fatale e o mundo virtual do tal jogo, além de belissimamente construído, evoca claramente o noir, o que me remeteu inúmeras vezes a “Sin City” e a “Mulholland Drive” – este especificamente numa cena em que um dos avatares canta um determinada música, que me lembrou muito o surreal “Club Silencio”.
Entretanto, todo esse clima de mistério tão meticulosamente construído é bastante comprometido na parte final devido a falhas do roteiro. Algumas pontas ficam soltas, as soluções para as tramas são fracas e personagens antes aparentemente complexos revelam uma frustrante superficialidade. Contudo, ainda considero uma experiência válida.
Depois, por recomendação, fui assistir LÍBANO (Lebanon, Samuel Maoz, Alemanha/Israel, 2009), vencedor do Leão de Ouro em Veneza em 2009. O filme se passa quase que inteiramente dentro de um tanque de guerra (o “quase que" se deve aos segundos iniciais e finais) durante a guerra do Líbano, de 1982, acompanhando a rotina dos quatro soldados israelenses que o tripulam.
Uma das coisas que eu tinha me esquecido a respeito do Festival do Rio é do protagonismo de algumas platéias de alguns filmes. Um tipo de comportamento também verificável nas lendárias maratonas de cinema do Cine Odeon. Lá pelas tantas o comandante da operação mata um civil a sangue frio (sim, o filme se passa todo dentro do tanque, mas o mundo exterior é engenhosamente mostrado do ponto de vista da mira do canhão). Eis que de repente, um senhor exalta-se na platéia e se põe a bradar em alto e bom som: Nazista! Nazista! Pensei: Ou ele não entendeu que a intenção da cena é justamente mostrar os absurdos da guerra (numa postura muito próxima daqueles que acham o nosso “Tropa de Elite” fascista), ou ele queria mostrar sua indignação contra o ato isolado chamando o soldado israelense justamente pela alcunha de seus algozes históricos devido a semelhança dos modus operandi. Eis que então, com razão, algumas pessoas protestaram mandando-o calar a boca, o senhor, então, não se fazendo de rogado, devolveu: Sionistas! Sionistas!. Aí percebi que a bronca dele era com os judeus mesmo e, mais ainda, que ele não tinha se dado conta que o resto das pessoas queria terminar de ver o filme sem ser importunado. O impasse se resolveu logo em seguida, creio que após alguma ameaça mais séria de algum outro espectador mais indignado. No mais, é um filme de guerra que, como todo filme do gênero, ressalta todo o absurdo e toda desumanidade da guerra, colocando seus personagens em uma situação limite tanto física quanto psicológica. O diferencial, aqui, portanto, é justamente a sua proposta claustrofóbica de centralizar toda a ação dentro de um tanque de forma que quase dá para sentir o cheiro de urina e sangue que se entranha lá dentro.
Pelos meus planos, LÍBANO seria o meu último filme do dia, só que descobri que minutos após o final de sua sessão, no Espaço de Cinema (eu vi LÍBANO no Estação Botafogo, quem conhece sabe da proximidade), passaria o filme 2012: TEMPO DE MUDANÇA (2012: Time for changes, João Amorim, EUA/Brasil/França/México/Suíça, 2010), um documentário que eu tinha visto que teria depoimentos do Sting, do David Lynch (tô gostando da idéia de citá-lo duas vezes nesse post), da Ellen Page e do Gilberto Gil.
Imaginem um filme que tenta relacionar calendário maia, experiências psicodélicas, meditação, e meio ambiente. Não, não é um filme de apologia à maconha, embora tenha ares de filme “bicho-grilo”. Na verdade, a parte da meditação, das experiências psicodélicas e do calendário maia são mais um ponto de partida para uma reflexão acerca da relação do ser humano consigo próprio e com o ambiente em que vive. Indo na contramão das perspectivas apocalípticas (a propósito “apocalipse” é uma palavra de origem grega que, na verdade, significa “revelar, levantar o véu”), com apoio em depoimentos de descendentes diretos dos maias e de outras nações indígenas antigas, o filme sustenta, que, na verdade, o fato de o calendário maia terminar em 2012 não significa que o mundo irá acabar, mas sim a inauguração de uma nova era para a humanidade. A tese do documentário, se entendi bem, parece ser a de Daniel Pinchbeck, figura simpática que apresenta o documentário e autor de livros como “Breaking Open the Head: A Psychedelic Journey into the Heart of Contemporary Shamanism” e “2012: The Return of Quetzalcoatl”, que afirma que esta nova era refere-se justamente a uma maior espiritualização das pessoas, o que se refletirá em uma melhor relação do homem com a natureza, na medida em que proporcionará uma mudança nos valores, na política e na economia. Não crê em uma solução mágica, mas em atitude. O filme não se atém a discutir teses e teorias proféticas e mostra inúmeras comunidades auto-sustentáveis além de apresentar inúmeras soluções naturais que vem sendo descobertas e já utilizadas para problemas contemporâneos como vazamentos de óleo e poluição das águas e é, sim, um convite para repensarmos a nossa postura perante o mundo em que vivemos. É panfletário sem ser muito incisivo, parecendo se preocupar apenas em plantar boas idéias e reflexões.
Caramba! Ficou grande!

terça-feira, 28 de setembro de 2010

O Festival e eu

Alguns comentários sobre os filmes que já vi neste festival. E vocês? O que têm visto? O que tem achado?

TODAS AS MÃES e A GENTE ACABA SE ACOSTUMANDO

Foram os primeiros filmes que vi no Festival, por sugestão do Rodrigo. A idéia era assistir somente “A gente acaba se acostumando”, mas chegando ao cinema, fomos surpreendidos pela informação de que seria uma sessão dupla. Ambos são documentários e parecem muito mais um especial para a televisão do que propriamente uma obra cinematográfica. O primeiro filme é sobre as mulheres sobreviventes do genocídio perpetrado contra a população curda no Iraque, pelo Sadam. Acompanha a rotina dessas mulheres, seu luto contundente e a esperança de, um dia, reencontrarem seus filhos e maridos desaparecidos já há pouco mais de 20 anos, mesmo depois da descoberta de inúmeros corpos em uma vala comum.
O segundo é sobre meninas iranianas vítimas de violência familiar, que vivem em um abrigo. Carência, ebulição hormonal, cultura de costumes rígidos, compõem ainda este mosaico contextual. Há a menina que tenta seduzir o entrevistador, a com tendências suicidas, a com síndromes mentais e a que narra as experiências mais escabrosas que viveu com o tom de voz de quem conta história de ninar. O filme é bacana mais pelo painel humano que exibe do que por seus méritos enquanto documentário.

NOSSA VIDA EXPOSTA

O primeiro filme realmente bacana que assisti, também um documentário. Aproveita a história de Josh Harris, um pioneiro na internet, para propor uma reflexão sobre a maneira como a sociedade humana vem se relacionando após o impacto da web em seus costumes.
A sessão teve a presença da diretora Ondi Timoner e ela contou que conheceu Josh quando ele a convidou para participar de um de seus projetos (chamado por ele de ‘experimento’) mais ambiciosos, chamado “Quiet! We live in public”. O projeto consistia em juntar pessoas em uma casa em Nova York (que, na verdade, era uma espécie de bunker) onde estariam constantemente vigiadas por câmeras. A idéia era que as pessoas não precisassem sair de lá para nada. Josh, à época um milionário da turma dos “pontocom”, bancaria hospedagem, alimentação e lazer para todo mundo em troca de (suas almas?) suas privacidades (quiçá sanidades). Ondi, que já havia trabalhado com Josh em seu projeto pioneiro de TV online (muito antes de youtube e afins), foi então chamada para fazer o registro da experiência. Ela conta que, ao final, o material que reuniu não pareceu consistente o suficiente para fazer um filme e acabou arquivando-o. Eis que um dia, percebendo o crescimento de facebooks, youtubes e outras mídias sociais virtuais, ela se deu conta do quanto Josh havia sido visionário. Ele sempre dizia que, com o avanço da internet, haveria não só uma imensa perda de privacidade, como as pessoas demandariam por isso em busca de reconhecimento, ou de meros de 15 minutos de fama. Desta forma, Ondi percebeu que aquele ‘experimento’ nada mais era do que uma espécie de reprodução física dos ambientes virtuais nos quais as pessoas tem se relacionado hoje em dia, expondo suas vidas, suas opiniões e sua privacidade por livre e espontânea vontade. Aproveitando esse gancho, decidiu reunir o material que já tinha, acrescentar mais algumas pesquisas e entrevistas e fazer o filme. Ah, sim, o filme faturou um prêmio de melhor documentário em Sundance, em 2009.

CÚMPLICES DO SILÊNCIO

Primeira ficção que assisti. A sessão também contou com a presença de um membro da equipe, o produtor e roteirista do filme, Rocco Oppedisanno. Trata-se de uma produção ítalo-argentina sobre os anos de ditadura militar naquele país. Com ares auto-biográficos, o filme narra a história de um jornalista italiano que vai para a Argentina a fim de cobrir o mundial de futebol de 1978 e, ao auxiliar a esposa de um amigo (e se envolver com a mesma), percebe a hediondez do regime vivido no país.
O contraponto do absurdo do regime ditatorial com a alegria popular proporcionada pela Copa (e a utilização desta alegria para acobertar o tal absurdo) faz deste filme uma espécie de irmão siamês do nosso “Pra frente Brasil”.
O filme começa soando um tanto canastrão com tomadas um pouco ingênuas demais, que aparentemente não confiam tanto na inteligência do espectador, mas tem momentos de profunda emoção como aquele em que um militar procura um familiar numa montanha de cadáveres. E ainda, ao preferir não mostrar mais explicitamente as cenas de tortura, fixando-se mais nos gritos de pavor e dor das vítimas e no terror psicológico perpetrado pelos terroristas de Estado, conseguiu-se, ao contrário do que possa parecer, transmitir de maneira bastante pungente todo desespero e revolta que deviam sentir as mesmas nas mãos das celeradas máquinas de torturar e matar, que eram alguns dos militares daquele período.

POLANSKI: PROCURADO E DESEJADO

O primeiro da listinha abaixo que assisti. Meu interesse por este filme se deu por conta deste texto do Pablo Villaça que não só recomendo como me serve de motivo para escusar-me ao trabalho de tecer maiores comentários sobre a produção, devido ao fato de as mais importantes informações sobre a mesma estarem lá. Só gostaria de reforçar a qualidade do documentário que, além de mostrar todo o problema judicial que o diretor enfrentou, ainda nos oferece imagens raras de entrevistas e da vida do diretor, que se tornou uma personalidade ainda mais instigante para mim. Quanto a provocação do último post, creio que, se Polanski tinha algumas contas a acertar com a sociedade relativamente ao seu ato reprovável (mesmo que se argumente que em sua cultura era comum sexo entre um homem e uma menina menor de idade, ele estava no EUA, o que o obriga a observar suas leis), estas já estão mais do que acertadas, ao menos do ponto de vista moral, pois os motivos pelos quais o processo continua em aberto (o que lhe acarretou alguns dias de prisão domiciliar na Suíça recentemente) exorbitam, infelizmente, a esfera judicial justa. Desta forma, obviamente, isto nada tem a ver com sua inegável criatividade artística. Eu sei que não precisava, mas eu só queria pontuar.

Monte sua programação aqui.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Festival do Rio 2010

Cheirinho de Festival do Rio do ar e meu coração se enche de esperança e alegria. Época de salas de cinema de Botafogo lotadas, filmes com nomes estranhos (“Andrés não quer dormir a sesta”?!?), cine Odeon funcionando full time, sessões no meio da tarde e mais de uma sessão por dia. Sim, eu amo muito tudo isso.
Sabe-se lá porque razão, este ano, olhando a programação, fiquei mais instigado com os documentários. Aí vão alguns filmes que, numa primeira passada d´olhos, despertaram a minha curiosidade:

POLANSKI: Procurado e desejado
Sou profundo admirador do que conheço da obra de Polanski. Entretanto, neste documentário, o foco não é sua obra (há algum documentário sobre a obra de algum cineasta?), mas um fato específico de sua vida pessoal: A condenação por abuso sexual a uma menor de idade que lhe rendeu uma proibição de voltar a pisar os pés nos EUA sob pena de prisão imediata e uma prisão domiciliar recente na Suíça.
Uma provocação: É gostável a obra de um cineasta que teve relações sexuais com uma menina de 13 anos, vulgo pedófilo?

Stones in exile
Vi imagens deste filme numa coluna do Nelson Motta no Jornal da Globo há um tempo e pude constatar a força que os Stones deviam ter na época em que se passam os acontecimentos do documentário. Na verdade, o que ficou registrado, era que se tratava de uma reportagem, uma coluna, não lembrava da informação de que havia um documentário. Lembro que fiquei muito impressionado e tuitei algo a respeito e qual não foi minha euforia quando vi que existia este filme e que ele passaria no festival.

O último sonho de Pina Bausch
Dança, normalmente, não é algo que me sensibiliza. A primeira (e única e última?) vez que me emocionei com uma coreografia foi a da cena inicial de “Fale com ela”, do Almodóvar, que me marcou tanto que me preocupei em saber quem era a coreógrafa. Pina Bausch. Fiquei ainda mais motivado quando descobri que este filme mostra um trabalho dela com adolescentes que nunca haviam tido experiência com a Dança, com os quais ela pretenderá montar o espetáculo.

Somewhere
Já comentei sobre este filme aqui e esta é a primeira “ficção” desta leva. Ficção entre aspas, pois até onde li a respeito, o filme possui ares auto-biográficos, uma vez que a diretora e roteirista é a Sophia Coppola, filha do Francis Ford Coppola, e o filme fala da relação de um astro de Hollywood com sua filha de 11 anos. O trailer é de uma delicadeza só. A marca registrada de quem dirigiu “Lost in translation” e “Marie Antoinette”. Eu sei que é blockbuster, que não deve demorar para estrear, mas até onde sei, não há nenhuma data certa. Estou ansioso, então, é melhor garantir.

Fragmentos de conversas com Godard
A única vez que lembro de ter dormido no cinema (sem ser em filme do meio de maratona do Odeon) foi em um filme do Godard. Não fez sentido, não me tocou e lembro que não me senti minimamente inferior por isso, tendo em vista a aura intelectualóide que cerca o público de seus filmes. Entretanto, confesso que ainda tenho certa curiosidade acerca do personagem, sobretudo sobre o objeto deste documentário. Durante a faculdade de Direito fiz parte de um grupo de pesquisa em Direito e Cinema, que justamente investiga as interseções entre os fenômenos da comunicação, da arte e do direito e creio que serão trabalhados alguns conceitos interessantes a esse respeito neste filme.

A casa muda
Não tenho certeza se será um filme que estreará em grande circuito. Algo me diz que é possível, se se pensar em “A bruxa de Blair” e demais congêneres. Pelo sim, pelo não, compõe minha lista. O filme foi feito com uma câmera fotográfica digital na função vídeo, US$ 6.000,00 (sim, seis mil dólares) e em uma tomada só, um grande plano sequência contando em tempo real uma história baseada em fatos reais de duas pessoas que foram misteriosamente assassinadas em uma casa isolada numa pequena cidade do Uruguai.

A Suprema Felicidade
É o filme do Jabor. Com poucas sessões neste festival, devido a uma certa proximidade de seu lançamento, em 29 de outubro, apesar da expectativa ser grande, creio que este é o que tenho menos chance de ver nesta lista, mas incluo-o aqui por um motivo pitoresco: É o filme que irá abrir o festival coincidentemente no mesmo dia em que será anunciado pelo Ministério da Cultura o filme brasileiro que representará o Brasil no Oscar 2011. Se eu fosse um pouco mais conspiracionista arriscava um palpite, mas vai ver é só coincidência mesmo. O que, claro, não interfere nos eventuais méritos do filme.

... e a lista prossegue. Só coloquei aqui os que considero mais relevante de acordo com minhas expectativas. Qualquer acréscimo, decréscimo ou permuta, noticio aqui, bem como o que fui achando de cada filme. E vocês? O que vão assistir? O que me sugerem?

PS: Preguicinha de colocar dias, horários e locais das sessões. Dêem um jump em http://www.festivaldorio.com.br/site2010/filmes/filmes.htm e procurem lá!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O Oscar vai para ...

Ontem, dia 08 de setembro, o Ministério da Cultura divulgou uma lista de 23 filmes aptos a concorrer a indicação para a categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2011 representando o Brasil. A escolha do filme será feita, segundo o site, por uma Comissão composta por representantes do governo (?!?), sociedade civil organizada e especialistas do setor. A diferença é que este ano a população pode se manifestar votando no filme que julgar merecedor de concorrer. A Comissão, obviamente, não estará obrigada a acatar a sugestão popular, mas creio que esta pode ser relativamente importante no resultado final.
No momento em escrevo este post "Nosso Lar" lidera a pesquisa com esmagadores 4.820 votos, o que dá 45% dos votos computados até este momento. O curioso é que "Antes que o mundo acabe" está empatado com "Chico Xavier" (ambos com exatos 1.295 votos). Digo curioso porque a julgar pelos critérios que imagino estarem sendo levados em conta até o momento, era de se esperar que "Chico Xavier" estivesse com uma vantagem muito maior. Fico feliz que seja assim porque "Nosso Lar" e "Chico Xavier", cinematograficamente, estão longe de ser grandes coisas. E uma produção como "Antes que o mundo acabe", lançada, por enquanto, somente em Curitiba, Porto Alegre e São Paulo (a estréia no Rio será dia 17/09, segundo informação da produção a este que vos tecla) estar disputando o segundo lugar com a segunda maior bilheteria do país desde a retomada, pelo menos por enquanto, parece um dado significativo.
Confesso que, da lista, vi poucos, mas sei que dificilmente mudaria meu voto, que foi para "Os famosos e os duendes da morte". E olha que as minhas espectativas em relação a "A Suprema Felicidade" e ao próprio "Antes que o mundo acabe", que ainda estão para estrear, são bastante altas.
Para votar, cliquem aqui. Na janela que abrir (Home Page do Ministério da Cultura) desçam o cursor até aparecer à esquerda, escrito em amarelo o box "ENQUETE OSCAR 2011", cliquem no box e votem.
A votação só vai até o dia 20 deste mês
E, claro, gostaria muito de saber em qual vocês votaram e porquê.

PS1: Sim, sou espírita, curti bastante e me emocionei o dobro com "Chico Xavier" e "Nosso Lar", mas antes pela identificação com a temática do que por serem um primor artístico.
PS2: Ok, eu sei que Oscar definitivamente não é bem o exemplo de premiação em que o valor artístico é o critério principal, mas sou bastante cético quanto às chances de "Nosso Lar" e "Chico Xavier" com a Academia.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Sobre "Nosso Lar"


Como já declarei algumas vezes, sou espírita. Talvez por minha família praticamente toda também sê-lo. Talvez porque escolhi. Talvez por que tinha que ser assim. Fato é que a Doutrina Espírita, trazida pelos espíritos e codificada e organizada pelo pesquisador e acadêmico Hippolyte Leon Denizard Rivail (também conhecido por Allan Kardec) em meados do século XIX, até hoje me serve como fonte de inspiração para muitas das minhas questões filosóficas e religiosas devido a sua lógica e coesão interna tão ricas quanto robustas, bem como pelas provas que cada vez mais venho tendo de sua plausibilidade.
Dito isto, advirto desde já, que meus comentários sobre o filme “Nosso Lar” obviamente poderão pecar pela parcialidade dada a grande relação desta obra com o Espiritismo, doutrina que abraço.
A rigor, “Nosso Lar” não é baseado na obra de Chico Xavier, como traz a publicidade do filme, mas na do espírito André Luiz que, através do médium, escreveu, entre as décadas de 40 e 60, uma série de 13 livros intitulada “A vida no mundo espiritual”. Chico Xavier era apenas o instrumento, motivo pelo qual, inclusive, doava os direitos autorais destas obras para entidades de beneficência. Esta série narra as experiências do mencionado espírito no plano espiritual e tem em “Nosso Lar” o seu primeiro volume. É um livro de imensa relevância para a Doutrina Espírita pois, lançado em 1943, veio aprofundar tudo o que havia sido dito cerca de 80 anos antes, nos trabalhos de Allan Kardec.
O filme inicia-se com a emblemática imagem que estampa o pôster de divulgação, de um homem frente a uma imensa muralha de pedra onde parece haver uma porta de entrada bloqueada. A câmera volta-se, então, para o céu e o nome “Nosso Lar” surge no firmamento realçado por uma trilha sonora impactante para, após, mergulhar em uma espécie de subsolo.
Em uma paisagem sombria e inóspita, um homem acorda deitado chafurdando na lama. Uma voz em off, se encarrega de nos inteirar do que está ocorrendo. É André Luiz acordando numa região purgatorial chamada Umbral, narrando sua experiência.
Tenho uma particular rejeição com narrações em off. Salvo quando utilizada dentro de contextos muito específicos, como nos noir, por exemplo, o que não é o caso. Este recurso, na maioria das vezes, além de revelar uma possível falta de confiança do diretor e/ou roteirista na inteligência do espectador, soa como um excesso que, inclusive, pode dificultar a imersão na trama, que foi o que aconteceu comigo. Muito embora a recriação do Umbral esteja extremamente fiel ao que imaginei quando li o livro, com aquele falatório todo, senti alguma dificuldade em me sentir lá, o que é o grande barato da experiência cinematográfica (não que eu realmente quisesse me sentir no Umbral, é só uma observação crítica, ok?).
Por outro lado, é compreensível esta opção do diretor tendo em vista o didatismo característico da própria obra literária, que tem como objetivo principal explicar o funcionamento do universo que apresenta. Adicione-se ainda que, após, no decorrer do filme, tal recurso não mais servirá para explicar fatos (tal encargo caberá aos habitantes de Nosso Lar, sobretudo a Lísias), mas para que André compartilhe com o espectador suas elucubrações a respeito da visão de mundo que passa a adotar.
Entretanto se este recurso pode ser visto como pouco engenhoso, o mesmo não se pode dizer dos utilizados pelo diretor (ou montador?) para contar, em breves minutos, a história do personagem antes de sua morte. Encadeando suas lembranças às agruras sofridas no Umbral, há inegável habilidade nos movimentos de câmera e na montagem, que conferem certa agilidade à narrativa acerca da personalidade de André Luiz, fazendo-nos compartilhar de sua confusão mental oscilando entre seu estado atual e suas recordações.
Outro ponto alto da produção são seus efeitos visuais. O livro “Nosso Lar” causou inquietação entre os espíritas da década de 40 por trazer uma concepção do além um tanto quanto inovadora. Principalmente no que tange ao desenvolvimento tecnológico. Além do clássico aeróbus, meio de transporte público assemelhado a um ônibus aéreo, mencionado capítulo 10 do livro, há também a referência a um aparelho de comunicação muito próximo à televisão (capítulos 23 e 24). Graças a essas informações, até hoje há, no Espiritismo, correntes sustentando que André Luiz seria um espírito mistificador que se aproveitou da boa-fé de Chico Xavier para publicar seus livros e que tudo ali não passa de uma grande mentira.
Desta forma, tendo em vista as descrições entabuladas no livro, a produção de arte e os efeitos especiais são de primeiríssima qualidade. O Umbral e seus habitantes estão muito próximos daquilo que imaginei e Nosso Lar é um presente para os olhos com suas cores, sol perene e arquitetura leve e sinuosa, quase etérea. Qualquer referência a Lúcio Costa e Niemeyer não são mera coincidência tendo em vista que Brasília e aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, foram algumas das locações utilizadas como base. Provavelmente para esta área foi destinada grande parte dos cerca de 20 milhões de reais orçados pela produção, o que a coloca entre as mais caras realizadas no país até então.
A fotografia de Ueli Steiger revela-se um tanto óbvia privilegiando as cores e a luminosidade quando em Nosso Lar e as sombras sinistras quando no Umbral, além de utilizar-se de sépia, ao mostrar as recordações do personagem. E a trilha sonora de Philip Glass, bastante inspirada como sempre, pode soar um tanto excessiva para os mais exigentes (como soou para mim).
Renato Prieto surge como uma feliz revelação emprestando seu corpo ao Dr. André Luiz. Se, no início é o homem sisudo que foi na Terra, confuso com a nova realidade que se lhe descortina, ao final é um colaborador de Nosso Lar de semblante sereno e jovial, já mais consciente da natureza divina da vida.
O núcleo principal é ainda composto pelo enfermeiro Lísias, interpretado com doçura por Fernando Alves Pinto e por Rosanne Mulholland que, com um vigor inesperado, interpreta a rebelde Eloísa, personagem que faz interessante contraponto a André Luiz, uma vez que enfrenta maiores dificuldades em enfrentar a sua nova realidade. O filme conta ainda com participações especiais de atores conhecidos como Ana Rosa, na pele (ou seria perispírito?) de D. Laura, Othon Bastos, como o Governador de Nosso Lar e Paulo Goulart, como Genésio.
Werner Schünemann faz um Emmanuel quase que diametralmente oposto ao de André Dias em “Chico Xavier – o filme”. Altivo e formal em sua postura de senador romano, o mentor de Chico Xavier, aqui, mostra-se bem menos austero do que na outra produção. O curioso é que Emmanuel não aparece como personagem no livro, apenas prefaciou-o na qualidade de organizador do trabalho mediúnico de Chico, apresentando o “Novo amigo” André Luiz. Contudo, enquanto espírita, considerei bastante oportuna a inclusão por oferecer uma boa é plausível idéia de como se dá o trabalho de um guia espiritual, mesmo sendo uma trama originada única e exclusivamente na imaginação do roteirista que, neste caso, também é o diretor.
A direção de Wagner de Assis é bastante sensível e simples. É eficiente ao criar momentos de emoção como aqueles em que André Luiz visita sua família na Terra, mas talvez seja pouco criativa ao representar certas passagens como aquela que envolve o restabelecimento um tanto súbito demais de um certo personagem no fim da história graças a atuação do médico espiritual.
“Nosso Lar” é um filme (como o livro) que fala de esperança. Embora a idéia de vida após a morte não seja a maior novidade do mundo, é bastante intrigante a proposta que lança, uma vez que inova ao tratar deste universo, afirmando não só esta realidade, como revelando a existência de cidades espirituais e ainda mostrando que não há tanta diferença assim entre o cotidiano de uma cidade terrestre e o de uma cidade espiritual. A grande diferença entre umas e outras seria a ética em que as relações humanas se fundamentam em cada qual.
Algumas pessoas com quem conversei, inclusive espíritas, reclamaram que parece acontecer pouca coisa no filme. Estou convencido de que provavelmente esta impressão se deve a natureza intimista da trama principal. Narra a história de um homem em uma experiência espiritual (aqui no sentido de experiência íntima, essencial) em que há uma reformulação total de sua maneira de encarar a vida. Lembra-me a trajetória de personagens como a Dora, de “Central do Brasil” e Chris McCandless, de “Na natureza selvagem”. Não é tão importante o que se sucede no exterior, mas o que vai no interior do personagem. A diferença é que aqui o pano de fundo é, vá lá, "sobrenatural", muito embora os dramas enfrentados pelo personagem sejam demasiado humanos. Entretanto reconheço que talvez por eu conhecer bastante a obra original, tal questão tenha ficado mais perceptível para mim.
Assim, é emblemática a opção do diretor de encerrar o longa com a imagem inicial de André Luiz à frente da enigmática muralha de pedra. E se um dia formos nós em seu lugar? Qual terá sido nossa trajetória até lá? Estaremos preparados?

Leia também: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=846848