domingo, 18 de abril de 2010

Sobre "Os famosos e os duendes da morte"


Esmir Filho fez poesia cinematográfica da melhor qualidade neste seu trabalho de estréia em longas-metragens. Uma poesia sobre adolescência, rito de passagem e inadequação. Tudo sob a ótica de um menino de 16 anos, fã de Bob Dylan, morador de uma pequena cidade de imigrantes alemães no Rio Grande do Sul, que conhece “o mundo lá fora” somente através do monitor de seu computador, mas que, ao mesmo tempo, tem uma imensa ânsia dele.
Já nos segundos iniciais – voz, em off, do personagem principal lendo sua mais recente postagem em seu blog – o filme já diz ao que veio. Esqueça “Malhação” ou qualquer xaropada teen que Hollywood produziu, este é um filme sério. E sensível.
“Naquela cidade, cada um sonhava em segredo. Menino sem nome conheceu a garota sem pernas. Ela não tinha pernas, mas, mesmo assim, não precisava de ninguém para ir embora.” Pode parecer um tanto quanto exagerado e pretensioso, a princípio, como qualquer blog de adolescente melancólico de 16 anos, mas tenhamos paciência, vejamos o que ele tem a dizer.
“Mr Tambourine man”, em sua solidão real, posta em seu diário virtual, como um cronista trágico de sua própria vida. Tristonho e, na maioria das vezes, em silêncio, absorve e denuncia o dia-a-dia monótono e quase soturno daquela cidadezinha em que uma ponte tem significados muito mais dolorosos do que ligar uma margem a outra, do que ligar impossibilidades a possibilidades. Entretanto, mesmo melancólico, há ternura no olhar de Mr. Tambourine.
Ao longo do filme somos expostos a experimentações visuais e musicais, entremeados por um enredo simples, que vai se desvelando aos poucos, sem pressa por não ser importante o que acontece, mas como acontece. (Li algumas pessoas criticando este excesso de invencionice, mas devo dizer que comigo funcionou, me ajudou a entender melhor a vibe do filme) E assim vamos conhecendo um pouco mais da família de Mr Tambourine (sua mãe e a cadelinha Inês, esta, impagával), seu melhor amigo Diego, sua escola e seu tédio.
O tédio é quase um protagonista da história, que fica ainda mais em evidência quando Mr Tambourine descobre que Bob Dylan virá se apresentar no país e percebe que as chances de ir ver seu ídolo são, para dizer o mínimo, remotas.
Mr Tambourine fuma maconha, tem estrelinhas fosforescentes adesivas grudadas no teto do quarto, se masturba, odeia futebol, tem blog, ouve Dylan, faz sexo virtual e, em alto e bom som, junto com Diego, grita “Cu!” quando os sinos da igreja ribombam, ecoando pela cidade.
Entretanto, Mr Tambourine não é um devasso. Não faz nada que um menino de 16 anos não faça (ou não tenha vontade de fazer). O filme não faz destes acontecimentos um fim em si mesmo. Lembrem: Hollywood está a milhas e milhas de lá. Não há pornografia. Há algo de desespero. Ele sente nojo dele mesmo, confessa a um amigo virtual. Esmir diz que este é um filme que fala de afeto e de abraço. Talvez Mr Tambourine faça tudo isso para ajudar a passar o tempo, talvez para ajudar a esquecer que não verá Dylan, talvez para ajudar a esquecer que ele não cabe ali naquela cidade, naquele mundo, talvez para ajudar a esquecer o que ninguém naquela cidade quer lembrar. O inexplicável concretizado na ponte silenciosa e obscura e na figura de uma menina tristonha em vídeos oníricos gravados com o namorado em um passado não muito distante. A relação entre a menina e a ponte. Recente o bastante para doer no coração de Mr Tambourine, que aos 16 já sabe que seu lugar não é ali. Quem sabe.
Como li na crítica – acho que do Jornal do Brasil – este é um filme brasileiro de qualidade que arrisca ao não falar de favela ou da realidade nordestina. É ousado também na linguagem e eu vos digo: É um belo filme. O que num primeiro momento pode soar pretensioso se revela uma obra cujo autor sabia exatamente o que queria dizer e como dizer. Ganhou o troféu Redentor de melhor filme no último Festival do Rio. Achei digno.

Um comentário:

  1. Fiquei absolutamente encantado com o filme "Os Famosos e os Duendes da Morte". É poético. É contemplativo. É complexo. É sensível. E muito me lembrou minha terrinha. Está na minha categoria dos obrigatórios!
    (Foi pena eu ter entendido que se tratava de dois filmes diferentes quando primeiro ouvi falar do título. Se chamavam "Os Famosos" e os "Duendes da Morte", e eu fiquei sem saber qual deveria ser mais trash. O resultado é que não fui ao cinema.)

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