“O segredo dos teus olhos” é daqueles filmes refinados, que, inclusive, pode se passar por um filminho à toa. Não dizem por aí que a simplicidade só se é obtida com muito trabalho? Pois bem, “O Segredo dos teus olhos” agrada a todos os públicos, dos mais exigentes, aos que só conhecem Hollywood.
Digo isso ao desavisado que não sabe que este foi o filme argentino que, este ano, ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, portanto, o filme é, sim, todo falado em espanhol. E é bom filme (talvez dos melhores que já vi). Durmamos com isso: Os argentinos sabem fazer um cinema de melhor qualidade que o nosso.
Está certo que muita gente torceu o nariz por o filme de Campanella ter desbancado “A fita branca” de Michael Heneke, mas quanto a isso gostaria de tecer algumas considerações.
Estava eu na minha maratona cinematográfica no último Festival do Rio, em outubro do ano passado, assistindo “It might get loud” (salvo engano, “Alto e bom som”, em português), documentário com Jimmy Page, The Edge e Jack White sobre guitarras (não, eu não toco e não sou profundo conhecedor), extremamente maravilhado num embalo bem rock´n roll, quando vi que estava em cima da hora para começar a sessão do filme que havia ganhado a Palma de Ouro em Cannes. “The White ribbon”. “A fita branca”. Eu estava em Copacabana e meu destino era o Cine Odeon, na Cinelândia. Maldito problema de projeção que atrasou “It might get loud” em uma hora!! Porque a estação de metrô tinha que ser tão longe do Roxy?? Enfim, sem pensar muito, rumei à Cinelândia. Quando lá cheguei o filme já havia começado. Sala cheia, tive que ir para o segundo andar, que nem sempre reserva boas surpresas.
Era um filme silencioso, extremamente expressivo em sua fotografia em sépia e em sua câmera parada. Ficou evidente que este era um recurso para reforçar uma tensão latente, a sensação de que algo devastador estava prestes a acontecer na vida daquelas pessoas de um vilarejo alemão no início do século XX. Poderia ser instigante, mas não funcionou comigo. Pelo menos naquele dia. Não sei se pelo embalo rock´n roll em que eu me encontrava ou se por ter pego o filme no meio, sem ter tempo de me preparar espiritualmente. Ou se ambos os motivos. Fato é que admito que pequei: saí da sessão antes do filme terminar. Esses dias vi que ele ainda está em cartaz aqui no Rio (só em uma sala) e que é bom eu me apressar para me redimir. (Sério, nunca antes na história deste país, Gabriel saiu de um filme antes do fim).
Dito isto, quero dizer que compreendo (ou melhor, acho que compreendo - santa pretensão!) porque “O Segredo dos teus olhos” levou a melhor. Em alguma instância algo em mim admite que é, sim um filme melhor, mas outra insiste que “A fita branca” merece o benefício da dúvida, por ter sido avaliado em condições adversas. De qualquer maneira assisti “O segredo dos teus olhos” com muito mais empolgação do que “A fita branca”.
“O segredo dos teus olhos” é comédia, drama, policial, romance... Difícil classificar. É um roteiro riquíssimo com personagens complexos e uma trama muito bem amarrada que não entrega nada de primeira nos deixando surpreender por reviravoltas instigantes. É a história de um crime. A história de um amor platônico de vinte e cinco anos de um funcionário público por sua chefe. A história de um homem de meia idade que revê momentos importantes de sua vida. Campanella consegue entrelaçar todos estes elementos narrativos que renderiam um filme autônomo cada, de forma tão habilidosa que ao invés de nos sentirmos enfastiados com tanta informação, ficamos é mais curiosos para saber o que acontecerá em seguida.
Destaque para a atuação de Guillermo Francella, como Pablo Sandoval, melhor amigo do personagem principal. Responsável pelos momentos cômicos do filme, em pouco tempo de projeção, já cai nas graças do público com suas tiradas inesperadas e geniais a ponto de torcermos para o telefone da repartição tocar só para ver o que ele irá inventar ao atender. Absolutamente irresistível, como o próprio filme como um todo, aliás.
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