domingo, 20 de junho de 2010

Sobre "Tudo pode dar certo"


Não lembro exatamente onde li (suspeito que seja no bom e velho “Cinema em Cena”) que Woody Allen, indubitavelmente um dos cineastas mais prolíficos da nossa época, normalmente produz um filme em cada estação do ano, e que, quando o projeto ainda não tem um nome definido, é chamado de “Projeto de verão do Woody Allen” ou “Projeto de primavera do Woody Allen”. Seja esta uma informação verdadeira ou pura invencionice da minha mente desvairada, fato é que a extensão de sua filmografia é algo invejável. É óbvio que nem sempre o resultado é exatamente uma obra prima (vide “Scoop” que considero ruim e “A maldição do escorpião de Jade” que eu só vejo valor na presença da Helen Hunt – sério!), mas digo sem medo de ser feliz que, para o meu gosto, e para os filmes que já vi dele, normalmente gosto de seus trabalhos e vejo qualidades neles.
Certamente por conta desta sua alta performance (ops!) cinematográfica, o cineasta revela tamanho traquejo ao narrar uma história no cinema que a impressão que dá é a de que, alguma vezes, a máquina está azeitada até demais. Desde detalhes bobos como a utilização das mesmas fontes nos créditos iniciais até uma saída do armário nada sutil de um determinado personagem, podem revelar, vá lá, uma certa preguiça, mas não chegam, obviamente, a atrapalhar o resultado final.
Basicamente fundado no roteiro, sem grandes requintes em termos de forma, mas divertido e inteligente em conteúdo, “Tudo pode dar certo”, flerta descaradamente com a informalidade de um papo de botequim. Logo no início, após o personagem principal expor com impaciência sua visão sobre política e religião, justamente em um papo de botequim, ele levanta, olha para a câmera e dialoga com o espectador sem o menor pudor – para terror dos demais personagens e de um menino que anda na calçada com sua mãe (“Look, ma! This guy is talking to nobody!”). E este é o tom do filme. Um tanto apressado, um tanto histérico e um tanto irônico, mas bastante informal.
“Tudo pode dar certo” é um filme que tem no acaso o seu protagonista e apresenta a visão de um físico pessimista e com tendência suicida sobre o acaso, o amor, Deus e a morte. Não precisa muito esforço para entender que Boris Yellnikoff, interpretado com carisma e histeria por Larry David, é o alter ego da vez de Woody Allen. Sempre resmungando ou com uma tirada pessimista sobre a vida, o sujeito consegue inspirar, ao mesmo tempo, repulsa, compaixão, empatia e piedade sempre que aparece com seu sarcasmo afiado vestindo seu robe andrajoso com camisa e samba-canção. É absolutamente engraçado e desprezível, ao mesmo tempo, o hábito que ele tem de lavar as mãos cantando parabéns para você, pois o tempo da música é o suficiente para matar todos os germes.
Depois de uma desilusão amorosa, Boris conhece Melody St. Ann Celestine (Evan Rachel Wood, quase uma Linda Ash, personagem de Mira Sorvino em “Poderosa Afrodite”) uma jovem vinda do Mississipi que ele encontra na rua e resolve dar abrigo quase que contra a sua vontade. Melody, obviamente, é o oposto de Boris. Jovem, bem humorada e excessivamente tola. Em um momento do filme, Boris afirma que “a vida não é teoria” e, em outro, que casamento é só uma “ilusão sem sentido para aplacar o pânico”, mas obviamente que ele acaba caindo na própria armadilha, teorizando sobre a vida várias vezes e casando-se (e isso não é spoiler).
A crítica aos costumes da América Profunda e a rigidez de sua visão de mundo excessivamente republicana e religiosa beira o clichê, mas não deixa de ser compreensível dada a evidente abordagem simbólica de todo o filme.
No final, fiquei com a impressão de que Boris não é exatamente um pessimista. Sua visão de que o acaso comanda e que, no fim, tudo pode dar certo, até as situações mais improváveis, revela não um pessimismo com a vida, mas a nossa perene imaturidade para lidar com as expectativas.

3 comentários:

  1. talvez por não saber que woody allen é sazonal, talvez por não ser tão 'Boris', talvez porque tive uma companhia divertidíssima pra ver esse filme, afirmo que gostei muito, à beça, sem tirar nem por.

    "Oh cliche, sorry"

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  2. Vi o filme!! Admito que muito inspirado pela sua dica. Gostei muito do filme e das discussões que surgiram dele, pq esse dá pano pra manga.

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  3. Fiz uma referência a esse post no meu blog, pois tb escrevi sobre o filme. Justo tornar-lhe ciente. Grande Abraço

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