quarta-feira, 23 de junho de 2010

Sobre "Quando eu fiz 27 anos"

A idéia de um reality movie jamais foi tão ousada quanto a que se vê neste projeto. Conceitualmente, o filme é mais ou menos uma mistura de “O Show de Truman” com o seriado de TV “24 horas”, uma vez que acompanha em tempo real, só que com câmera subjetiva, a vida de Gabriel, um jovem brasileiro de classe média tentando encontrar uma maneira de ser feliz a cada dia.
O grande trunfo do filme está justamente na sua capacidade de nos fazer refletir sobre a beleza da simplicidade do dia-a-dia e o quanto se pode aprender diariamente sobre as mais diversas questões, desde as mais corriqueiras às mais profundas, bastando ter apenas um pouco de boa vontade e estar mais atento ao que a vida oferece. Lendo assim, até parece clichê, mas é certo que este é só um apanhado geral. Cinematograficamente é uma experiência muito mais intensa e rica do que o que aí foi, completamente distante de qualquer clichê.
É com imensa ternura que acompanhamos a sua infância mágica, sempre ensolarada e recheada de brincadeiras. Outro não é o sentimento quanto à sua vivência familiar. Dá para sentir quase fisicamente o carinho e o amor que unem todas aquelas pessoas. Apesar de todos os problemas, a impressão que dá é a de que há um acordo tácito de total cumplicidade entre eles. Mesmo que lhes custe os mais caros apegos e que haja brigas e mágoas, parece que, no fundo, eles sabem que acabarão se perdoando mutuamente e que o que veio antes, fez parte do processo de aprofundar estes laços tão fortes.
Entretanto, como nem tudo é um mar de rosas, não é tão difícil se identificar com a comédia de erros que é sua vida amorosa e com suas incertezas quanto a sua vida profissional (o personagem engrossa as estatísticas dos milhares de brasileiros que estudam para serem aprovados em um concurso público). E é aí que se torna evidente a humanidade do personagem principal. Nem sempre ele está apto a perceber e aproveitar as diversas oportunidades de aprendizado e acaba repetindo inúmeras vezes o mesmo erro, como qualquer um pode fazer.
Por outro lado, Gabriel conta com amigos tão fundamentais em sua vida que os mesmos foram responsáveis por ajudar a transformar uma faculdade de direito em algo interessante, os carnavais longe da folia em uma catarse espiritual e os momentos difíceis em abraços que o apoiaram quando tudo parecia que ia cair.
Os únicos problemas são que o filme é um tanto longo (já são 27 anos de projeção, sem previsão de fim até o momento) e, por vezes monótono (não só nos momentos em que Gabriel estuda, assiste aula ou dorme – acreditem!), mas, sem dúvida, o maior de todos é que o filme só pode ser exibido para somente um espectador, sendo certo que é absolutamente apaixonante justamente no que apresenta de revolucionário neste quesito. Contando com uma altamente secreta porém ancestral tecnologia, o filme permite um conceito de interatividade jamais visto no cinema, dando poder a este único espectador de intervir em todas as tramas e mudar completamente os rumos de sua história, se quiser.

4 comentários:

  1. É interessante, porém curioso, pensar nos diversos espectadores que esses estilos de filmes podem ter. A interpretação desse espectador fica curiosa. Se o espectador for um "eu lírico" pode, quem sabe, até ser simples. Acho que seria bem legal não ser o "eu lírico" e ser onipresente e também espectador!

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  2. Concordo, mas padecemos do infotúnio fundamental de não sermos Deuses. Nunca conseguimos realmente ver "de fora", sempre (de)(con)formamos o que vemos (com)(a) o que vivemos. Ou seja, infelizmente estamos fadados a ver este tipo de filme como "eu lírico" eternamente.

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  3. segura as gravações, mantem o elenco, figurino, porque o apoio vai ficar pra sempre.

    E nada cairá no meio do set.

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  4. Pra dizer que gostei tanto do texto, quanto dos comentários, quanto dos comentadores. Parabéns por mais esse ano e por alcançar essa perspectiva criativa de mundo.
    Há (!!) que fiquei levemente preocupado com o quanto vc tem pensando e assistido cinema :P

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