Ontem fui assistir “Meu caro amigo”, com a minha cara amiga e irmã Eleanor Rigby. Como vocês podem perceber, a peça trata da obra de Chico Buarque, mas não aos moldes de “Raul fora da lei”, “Começaria tudo outra vez” ou “Renato Russo” - obras respectivamente sobre Raul Seixas, Gonzaguinha e Renato Russo – e tantas outras que eram como peças-show sobre a vida dos artistas.
Esta é uma obra diferente. É a história de Norma, uma fictícia cinquentona que não só se diz a maior fã do Chico, como também fez da obra do mesmo a trilha sonora de sua vida, desde quando tinha 10 anos e o viu tocando “A banda” no Festival Internacional da Canção de 1966. Daí em diante, ela vai narrando sua própria história e elencando todas as obras e composições do poeta. Convidados a percorrer este caminho com ela, nós próprios vamos nos dando conta de como Chico fez mais parte de nossas vidas do que supúnhamos.
Chico me lembra meu falecido, saudoso e mais que amado pai. Daí vocês podem imaginar o quanto a peça mexeu comigo. Chico me lembra as manhãs de domingo da infância, quando meu pai resolvia tirar a poeira dos seus vinis e colocar a vitrola lá de casa para funcionar. Como Norma, também tive minha infância embalada ao som de “A banda”. A minha versão era a do dueto com Nara Leão e sua voz de mãezinha contando história de ninar. Lembro também de meu pai cantarolando “Quem te viu, que te vê”, batucando desajeitadamente no volante, enquanto dirigia. E lembro ainda das vezes que ele me mostrou a beleza e a pungência de “Cálice”, me pedindo para “prestar atenção nessa letra” de um jeito que era só seu, me explicando a metáfora e a revolução – como, impropriamente, hoje sei, ele chamava o golpe militar de 64.
Sim, amigos, algumas lágrimas correram e não foram só as minhas. Fazendo um trabalho rico de atriz e intérprete, Kelzy Ecard, é toda encantamento e simpatia com sua voz doce e seu inegável carisma. Emociona a todos e é visível que ela própria se emociona em muitos momentos. Acompanhando-a no palco, um pianista e um cenário simples (pilhas de discos de vinil e outros poucos objetos de cena) dão o tom intimista e reflexivo que domina o enredo, apesar de alguns momentos de agitação, como naqueles em que a platéia, de bom grado, entoa um coro acompanhando a atriz, a convite da mesma.
Partindo desta identificação afetiva com o espectador, o espetáculo acaba por evidenciar a relevância da arte de Chico Buarque na cultura brasileira. Além do fato de praticamente todo mundo ter uma história com pelo menos uma de suas músicas, é possível contar um pouco da história do Brasil através delas, notadamente as feitas durante da ditadura militar. Sua monumental obra que atravessa décadas, influenciando gerações sucessivas, é revisitada LP por LP, sendo certo que ainda ficaram de fora muitos de seus grandes sucessos.
Em 2007 realizei o sonho de ver uma apresentação ao vivo do Chico, ao lado de Mônica Salmaso, no Circo Voador. Foi bonito e arrebatador. O público, majoritariamente de jovens abaixo dos 30 anos surpreendeu Chico e deixou ainda mais evidente que a sua não é uma obra datada e que ainda tem força o suficiente para influenciar e sensibilizar. O mesmo se pode constatar pelo público desta peça. Com uma faixa etária bastante heterogênea, todos se sentem próximos e privilegiados por serem contemporâneos de Chico Buarque de Hollanda.
“Meu caro Amigo”
Com Kelzy Ecard. Ao piano: João Bittencourt.
Quinta à Domingo, 19:30h. Até 05 de setembro.
Teatro SESI
Rua Graça Aranha, 01 – centro
Tel: 2563-4163
Ingresso: R$ 30,00 (inteira); R$ 15,00 (meia)
350 lugares
É, pois é. Arrancou lágrimas, risos... "todo o sentimento"
ResponderExcluirCada um ali viveu seu punhadinho de emoções.
Eu desenterrei um bocado delas.
Valeu muito a pena. Pelo espetáculo e pelo que essas horas, "meu caro amigo", representaram pra mim. Obrigada. ;-)
Beijos e boa noite, da sua amiga e irmã(??) Chu.