segunda-feira, 25 de abril de 2011

Amor?


Quando vi o trailer deste novo trabalho do cineasta João Jardim (co-diretor de JANELA DA ALMA e do indicado ao Oscar LIXO EXTRAORDINÁRIO), lembrei inevitavelmente de outro filme que lhe é umbilicalmente ligado, que é JOGO DE CENA, de Eduardo Coutinho. Tanto assim que confesso que fui assistir o filme um pouco compadecido do fato de um cineasta relativamente novato (se comparado ao mestre Coutinho), com trabalhos tão interessantes, se prestar a copiar uma idéia já utilizada tão magistralmente em um trabalho de um diretor consagrado. Contudo, para minha alegria, devo dizer que todo meu compadecimento se mostrou vão.
Uma diferença clara entre os dois, é que em JOGO DE CENA o brilhante documentarista intercalava alguns depoimentos reais com uma versão interpretada dos mesmos por uma das atrizes convidadas (gente do naipe de Andrea Beltrão, Fernanda Torres e Marília Pêra, coisa básica). Em dado momento as atrizes são questionadas sobre como foi a experiência de interpretar alguém real, bem como também são convidadas a falar sobre suas próprias histórias de vida. Em outro, Coutinho nos engana, nos deixando sem saber, qual era o depoimento autêntico e qual era o encenado. AMOR? já não se ocupa disto com tanta objetividade, jamais mostrando os depoimentos reais ou conversando com os atores sobre a experiência.
Em AMOR? a iniciativa de substituir entrevistados reais por atores até remete às zonas cinzentas desta dicotomia realidade/ficção, mas isto é só um aspecto da discussão que o filme propõe, estando a serviço de uma temática específica. Enquanto em JOGO DE CENA as personagens da vida real foram encontradas através de um anúncio nos classificados de um jornal sendo os únicos requisitos que as mesmas fossem mulheres e tivessem “uma história para contar”, em AMOR? há “personagens” masculinos e femininos cujas histórias tem um conteúdo em comum bem definido: todos vivenciaram experiências extremas de “amor” e paixão em que invariavelmente estava presente algum tipo de violência. Assim, a escolha de atores para interpretá-los, além de nos fazer refletir, como em JOGO DE CENA, sobre a “teatralidade do humano”, também serve para potencializar o fato de que aquelas histórias, apesar de parecerem saídas de um filme do Almodóvar, eram bem reais. Em suma, a brincadeira com o binômio realidade-ficção é a mesma em ambos os filmes, somente que enquanto JOGO DE CENA utiliza os depoimentos reais, AMOR? se utiliza da crueza das histórias narradas e da fraqueza demasiado humana de seus personagens para construir sua ponte com a realidade. E ainda, enquanto JOGO DE CENA tem esta reflexão sobre realidade-ficção como temática principal, em AMOR?, este é apenas um dos aspectos do filme, sendo utilizado para ressaltar a temática principal que são as relações amorosas violentas.
O que é amor? Ele está presente realmente em relacionamentos violentos? Além destas cogitações filosóficas, este é um filme que nos convida a julgamentos morais já em seu título. A interrogação pode ser, sim, um sinal de imparcialidade do documentarista, mas depois de alguns minutos de filme, vemos que ela é realmente pertinente. Não me considero uma pessoa de temperamento violento e não cresci em um ambiente violento e talvez por isso fiquei tão incomodado com algumas histórias ali narradas, principalmente as interpretadas pelo naipe masculino Eduardo Moscovis, Claúdio Jaborandy e Ângelo Antônio, notadamente os agressores.
Diga-se de passagem, todo elenco, que conta ainda com Lília Cabral, Fabíula Nascimento, Sílvia Lourenço, Letícia Colin, Júlia Lemmertz e Mariana Lima está irrepreensível. A naturalidade da interpretação de Lília Cabral é algo impressionante, o que me leva a questionar sobre o porquê de sua pouca assiduidade nas telonas. Fabíula Nascimento, cada vez mais onipresente (graças a Deus), deixa bem claras, com seu carisma e talento, as razões de emendar um trabalho no outro. E foi um prazer rever Silvia Lourenço depois de tê-la visto somente em O CHEIRO DO RALO.
O filme intercala os depoimentos com imagens dos atores em situações cotidianas, o que humaniza ainda mais a discussão. A trilha sonora delicada de Lenine cumpre muito bem a sua função de embalar estes momentos (há uma versão de Beatriz que é bem bonita), muito embora soe quase como uma piada a opção por terminar a película com a sua clássica “Hoje eu quero sair só”. A fotografia busca ser realista, sem muitos efeitos, como se espera de um documentário, salvo quando opta por uma paleta dessaturada para os depoimentos, como a ressaltar toda obscuridade e clima opressivo que a violência proporciona às suas vítimas ou nestes momentos prosaicos, em que se tem maior liberdade para pintar os quadros da vida comum.
Por fim AMOR? é um filme complexo, que dá pano para manga para as mais variadas discussões. Principalmente para quem, como eu, não tem uma referência próxima de violência doméstica, serve como um bom parâmetro para compreender movimentos atuais de proteção à mulher, como a Lei Maria da Penha e sua relevância.

domingo, 17 de abril de 2011

Sobre "Pânico 4"


Lá pelos idos de 1997, meio sem saber muito do que se tratava, fui com minha mãe ao cinema (o falecido e imenso Art Tijuca, hoje uma irrelevante Leader Magazine), por indicação de minha irmã assistir ao primeiro PÂNICO. Eu já havia sido aterrorizado na minha infância por Jason e companhia e não precisou de muito esforço para eu me tornar um fã imediato desta nova produção. Além do fato de eu já gostar do gênero, o roteiro era bem trabalhado, o clima de tensão era bem construído e ainda havia um certo humor com várias referências espirituosas sobre cinema e filmes de terror. Quando soube que haveria uma continuação, fiquei eufórico e passei a acompanhar todos os filmes da trilogia – e todos os outros do gênero que vieram a reboque deste que já é considerado um clássico pelos especialistas.
Eu jamais poderia esperar que, onze anos depois de PÂNICO 3, iriam se aventurar a fazer um PÂNICO 4. Primeiro porque aparentemente já tinham sido aproveitadas todas as oportunidades que a saga de Sidney Prescott e companhia poderia oferecer e segundo que o gênero não está exatamente em alta (e aí pode surgir uma luz sobre a justificativa para esta continuação: a esperança dos estúdios de resgatar um gênero que sempre é sinônimo de bilheterias generosas e que nessa era de downloads pode atrair novamente o público para as salas de exibição por ser sempre um evento melhor aproveitado por grupos de adolescentes histéricos - principalmente os americanos, que tem mania de interagir com os filmes).
Além disso, confesso que assistir a um filme deste tipo nesses dias de hoje foi uma experiência estranha por outros motivos. Quando cheguei ao cinema, tinham dois meninos do lado de fora num misto de excitação e medo para entrar na sala. Diziam eles que tinham visto não sei onde que em algumas sessões poderia aparecer uma pessoa vestida de Ghostface para assustar os espectadores e promover o filme. Eles pareciam se divertir com isso, eu, confesso, fiquei preocupado de verdade. Podem me chamar de neurótico, mas na época dos primeiros filmes não havia Columbine, atirador do shopping Morumbi e atirador de Realengo. Naquela época, fazia parte do esquema saber que aquilo tudo não passava de ficção, que somente estávamos dando vazão a nossa ancestral atração por sentir medo com segurança e até por diversão e, mais importante, com distanciamento. Nunca situações deste tipo tinham acontecido tão próximo a mim a ponto de me incomodar um pouco na hora de ver o filme, e não posso dizer que não incomodou.
Enquanto filme, fui sem esperar muita coisa e ouso dizer que fui surpreendido positivamente. Acho que nada superará a trilogia original, principalmente os dois primeiros, mas confesso que curti também os seguintes, guardadas as devidas proporções.
Acho que o que mais gostei neste filme foi a oportunidade de rever os personagens tanto tempo depois e saber o que “aconteceu” com eles nesse meio tempo. Achei uma proposta interessante. Bem batida, mas interessante, principalmente por ser uma franquia que acompanhei de perto.
O filme começa justamente brincando com a infinidade de sequências caça-níqueis desnecessárias que esse tipo de produção costuma ter (e da qual este parece pretender ser uma exceção) e já dá pistas de que o mote vai ser justamente uma tentativa de atualizar o gênero para os dias atuais de internet, imediatismo e 15 minutos de fama.
Sidney Prescott retorna como uma equilibrada autora de livros de auto-ajuda perseguida, sim, por seus fantasmas, mas disposta a enfrentá-los, tanto assim que quando Ghostface ataca pela primeira vez em sua presença, em vez de fugir com medo, ela corre em sua direção disposta a enfrentá-lo a qualquer custo, inclusive dando-lhe uns bons sopapos. Neve Campbell parece segura no retorno à personagem que a lançou na carreira cinematográfica, sendo ainda uma presença forte em cena com seu carisma e olhar expressivo. Courtney Cox e David Arquette também estão razoáveis neste retorno a Gale Weathers e Dewey, agora promovido a xerife. Lembrava dele ter ficado com seqüelas físicas dos acontecimentos do primeiro filme (o que, salvo engano foi até motivo de piada nas outras sequências), mas isso não aparece e não é sequer mencionado neste, será que ele se recuperou com incontáveis sessões de fisioterapia? Ficamos sem saber. Gale Weathers busca uma relevância na trama que nunca chega a ter, mas é divertido vê-la novamente em ação nem que seja para “matar a saudade”. Já os “novatos” Hayden Panettiere (Kirby Reed), Rory Culkin (Charlie Walker), Emma Roberts (Jill Roberts), Erik Knudsen (Robbie Mercer) e Nico Tortorella (Trevor Sheldon) se saem bem também neste quase remake do primeiro filme (reparem bem, quase todos estes perfis estavam no primeiro filme, inclusive o tipo de morte de alguns). Destaque para os dois primeiros, que realmente saem do tatibitate dos filmes do gênero conferindo alguma autenticidade às suas atuações.
A direção de Wes Craven é competente como sempre e o roteiro segue o padrão PÂNICO de qualidade com suas tiradas espertinhas, referências a filmes e muitas mortes. Inclusive parece que andaram bebendo na fonte de JOGOS MORTAIS, carregando um pouco mais no sangue e nas vísceras expostas do que normalmente se vê nos outros filmes da franquia – mas ok, não chega a ser aquilo que críticos como Pablo Villaça convencionaram chamar de pornografia da tortura. Contudo, apresenta falhas como quando claramente levanta suspeitas infundadas sobre um dado personagem só porque ele lembra um dos assassinos do primeiro filme, nunca justificando a aparente antipatia gratuita que ele parece nutrir por Sidney. Ou quando uma personagem não repara em duas vítimas de Ghostface que rigorosamente estariam em seu caminho na volta do mercado ou ainda quando uma outra personagem é desconectada dos aparelhos médicos em um hospital e isso não é detectado pelas enfermeiras.
Entretanto, creio que a principal falha seja que mesmo apresentando uma crítica as continuações intermináveis e desnecessárias de seus congêneres, este PÂNICO 4 não conseguiu exatamente inovar como fez o primeiro 15 anos (!) atrás. É visível que até tenta, incluindo a internet na jogada, mas não foi criativo o bastante para fugir dos próprios clichês que criou para si.

sábado, 16 de abril de 2011

It's the Bahamas!

Para mim, escrever é uma das tarefas mais prazerosas que exerço. Gosto das palavras, gosto dos sentimentos, mas de vez em quando isso tudo me causa certo enfado. E aí, fico tentando entender se devo me preocupar com a minha sanidade mental ou esperar a inspiração vir até o momento em que simplesmente resolvo, esparramado na cama com o note no colo (ouvindo Mozart, no headphone, bem se diga), acabar com as dúvidas e começar a rascunhar uma coisa ou outra.
Pois bem, neste meio tempo tive uma meia dúzia de idéias interessantes para desenvolver aqui, mas não o fiz porque me impus a condição de só voltar a escrever alguma coisa depois de dar seguimento ao diário de viagens do penúltimo post.
Depois da última quinta feira narrada aqui, na sexta, dia 18 de março, embarcamos para Nassau, capital do complexo de 700 ilhas (segundo meu primo. A Wikipédia fala em 31 distritos), que é as Bahamas. As Bahamas são quase um pedaço da África na América Central onde se fala um inglês quase britânico e a mão do trânsito é inglesa. É claro que isso é fruto do processo de colonização, contexto do qual o complexo de ilhas se viu independente somente em 1973, e também do tráfico negreiro, que quando extinto, não motivou nenhuma boa alma a levar os negros de volta a seu continente de origem – as Bahamas eram um importante centro de triagem dos negros que seriam vendidos para as Américas. Quanto aos nativos originais, os índios arawakes, como a maioria pré-colombiana, foram devidamente dizimados. Atualmente os principais atrativos das Bahamas são, como se sabe, as praias paradisíacas e os mega complexos hoteleiros que atraem um quantitativo de turistas/ano maior que o Brasil.
A viagem para Bahamas foi um desafio a parte. Não era uma simples viagem a passeio, era também um pouco de mudança de alguns familiares meus, dos EUA para Nassau. Eram 14 malas. 10 para despachar (sendo 3 delas de proporções gigantescas). 2 para o baggage storage, 2 para levar na mão, 2 crianças (sendo um bebê de um mês de vida e uma menininha de três anos ansiosa por correr para explorar espaços), 2 carrinhos de criança, 2 vovôs e um aeroporto gigantesco para percorrer. A caminho do nosso portão, no skytrain que dava acesso ao mesmo, a esposa do meu primo olha pra mim e diz num misto de susto e divertimento: 'Que aventura!'. De fato, uma aventura. O avião era pouco mais que um ônibus que voa. Duas poltronas para um lado, duas para o outro. Hélices. Estava cheio, muita gente aproveitando o chamado spring break (uma espécie de micro férias para aproveitar a primavera após um longo e tenebroso inverno), mas eram só 45 minutos de vôo até Nassau. Sentei no corredor, mas deu para bisbilhotar um pouco pela janela a espetacular boas vindas do mar com sua película de gelatina verde sobre imensos areais e corais e o sol resplandecendo tudo.
A estadia em Bahamas não poderia ser melhor. Uma coisa boa de se ter uma casa para ficar é poder se sentir em casa. Foi mais uma viagem de descanso, do que propriamente de turismo (não que isso tenha deixado a desejar, muito pelo contrário, creio que conhecemos o melhor de Bahamas), o que de uma certa forma foi ideal para os meus avós. Acordar todo dia de manhã e dar de cara com um mar azul turquesa é praticamente um imperativo categórico contra qualquer desânimo ou tristeza. Respirar uma lufada daquela brisa marinha, sentir aquele sol da manhã na pele são uma experiência espiritual.
Fomos a excelentes restaurantes, destaque para o Café Matisse, onde comemoramos o aniversário de 90 anos do meu avô (um dos dias mais agradáveis que passamos lá, que serviu como uma celebração suave, mas profunda desta data tão importante). Fomos na Goodfellows Farm, uma fazendinha onde o restaurante serve os produtos orgânicos lá produzidos e a comida é simplesmente deliciosa. Fomos a um zoológico de aves, onde tem um show de flamingos e se pode entrar na jaula nas maritacas para alimentá-las e ser faceiramente atacado por elas.
Fomos a um clube onde, salvo engano, foram filmadas algumas cenas de um dos filmes recentes do 007 (e que tocava Beatles e Coldplay no banheiro, juro), fomos ao monumental Atlantis, o maior resort da região (enquanto os chineses ainda não construíram o seu rival, um investimento de reles 2 bilhões de dólares) com seu cassino, seu aquário gigantesco e sua marina que abriga os iates mais cinematográficos que já vi pessoalmente. E praticamente todo dia eu me dava o direito de mergulhar naquelas águas transparentes para dar um alô pros peixes e estrelas do mar que estavam sempre ali por perto.
Enfim, foi uma viagem inesquecível não só pelos lugares incríveis visitados, mas sobretudo por estar em companhia das pessoas que mais amo, minha família.

Alguns protestaram da falta de fotos do último post. Então, segue uma minha (meio playsson, eu sei) no tal clube Albanys: