terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O mundo mágico de Escher

Vale a pena visitar a exposição “O mundo mágico de Escher”, em cartaz no CCBB do Rio de Janeiro até 17 de março. Se você acha que não conhece Escher, pode ser que você conheça, mas não conheça. E isso não é paradoxal. Veja esta cena de A ORIGEM (Inception, Christopher Nolan, EUA, 2010) - se possível, ignore que ela está em inglês com legendas em francês. Tentei, em vão, achar outra mais adequada.

A Escada de Penrose em questão é um exemplo de espaço impossível (portanto, uma espécie de paradoxo). No filme, a confusão que esta impossibilidade gera é uma arma contra os sonhadores incautos que são assaltados por Don Cobb e sua turma. Repare que a única forma desta figura existir no espaço é a revelada no final desta sequência, ou seja, quebrando a sua continuidade aparente. É uma escada que existe, mas não existe.

Segundo a Wikipédia, a Escada de Penrose foi concebida pelos matemáticos Lionel e Roger Penrose (pai e filho), entretanto, foi imortalizada justamente por M.C. Escher, o artista gráfico homenageado pela referida mostra, na sua gravura Ascending and Descending, que, para reforçar o paradoxo, coloca vários bonequinhos subindo e descendo degraus impossíveis como que eternamente.



O acervo da mostra está riquíssimo, abrangendo um vasto período de sua carreira. Além dos seus famosos espaços impossíveis, Escher era também fascinado pelo que se chamava divisão regular do espaço. Suas gravuras simétricas são tão incrivelmente meticulosas, que impressionam por terem sido feitas à mão e não por um computador de última geração.
Destes modelos, a que mais me impressionou (confesso, mais pela "mensagem" que ela traz sobre Criação e harmonia, do que propriamente pela geometria) foi a que segue, chamada Verbum:



Outra espantosa é esta (High and Low) em que ele brinca com simetria e paradoxo, levando-os a um extremo que é simplesmente fascinante:



Escher dizia (vale a pena ver o filme de 1 hora de duração, sobre sua história e sua obra, que é exibido repetida e ininterruptamente na exposição) que o que o fascinava em seu trabalho era a sensação de prazer estético que a harmonia daquelas formas simétricas lhe causavam. Ele não era matemático de formação, mas obviamente era um profundo conhecedor da mesma, uma vez que, como fica claro em muitos de seus rascunhos e anotações espalhados pela mostra, isto era necessário para que chegasse ao resultado desejado, que, segundo ele, sempre estava aquém do imaginado. Aprazia-lhe também a sensação de continuidade, de eternidade, que essas figuras traziam, chegando a afirmar em carta a um amigo que se espantava das pessoas não perceberem que a matemática e a poesia tinham a mesma origem. E é bonito, mas de uma forma melancólica, um momento em que ele diz que preferia a abstração da harmonia matemática que lhe inspirava ao caos do mundo real (reproduzo esta citação de memória, portanto, pode haver algum equívoco, mas a idéia, pelo que lembro, era bem essa).

Mais intrigante ainda é ver esta imagem (reitero, feita à mão):



E perceber que era este o efeito que ele pretendia:



Ok, o pensamento de que ele deveria ser vítima de um baita TOC é inevitável. E, sim, o excesso de preto-e-branco causa certo enfado à retina (até há algumas gravuras coloridas, mas a esmagadora maioria segue o padrão). Entretanto, a genialidade indiscutível do homenageado supera tudo isso.

O Mundo Mágico de Escher
Local: Centro Cultural Banco do Brasil - Rio de Janeiro
Data: De 18 de janeiro a 27 de março
Horário: Terça a domingo, das 9h às 21h
Local: Salas A a I e Pátio da Rua Direita – 1º andar | Rua Primeiro de Março, 66 - Centro
Agendamento de visitas monitoradas: Segunda a sexta, das 9h às 18h | Telefones: (21) 3808-2070 e 3808-2254
Recepção/Informações: Terça a domingo, das 9h às 21h | Telefone: (21) 3808-2020
Classificação: Livre
Entrada Franca

PS: Pode-se ver as imagens em um tamanho maior clicando nelas

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Sobre o filme "Além da vida"


Tem uma história que circula na internet há algum tempo que narra um episódio bastante curioso sobre, entre outras coisas, uma certa sincronicidade que parece permear alguns momentos de nossas vidas. Ela seria verídica e teria sido narrada pelo Rabino Issocher Frand em uma de suas palestras. É a história de Moisés (ou Mochê, em algumas versões), um bem sucedido empresário judeu, que, em uma viagem de negócios a Israel, decidiu, entre uma reunião e outra, fazer um lanche rápido numa pizzaria da cidade. Lá chegando, encontrando-a um tanto mais cheia do que de costume, demonstrou certa angústia, tendo em vista o seu horário apertado, o que teria sido percebido por um dos senhores que estava na fila para comprar. O senhor, então, após ouvir Moisés narrar a sua urgência, oferece ao mesmo o seu lugar na fila, de forma que dentro de alguns instantes, Moisés já estava livre para sua reunião. Entretanto, após uns breves minutos de caminhada, Moisés ouve um ensurdecedor estrondo, e percebe estupefato, que a pizzaria de onde saíra havia pouco por generosidade de um desconhecido tinha ido pelos ares em virtude de um ataque terrorista. Sem pensar duas vezes, Moisés imediatamente se dirige de volta ao lugar do desastre a fim de tentar socorrer aquele que, com um gesto simples de gentileza, havia, involuntariamente, lhe salvado a vida. Após muito procurar, Moisés encontra o seu bemfeitor vivo em um dos hospitais da cidade, um tanto ferido, mas sem risco de vida. Em conversa com seu filho, como forma de gratidão, deixa seus contatos nos EUA, onde vivia, para que entrassem em contato, caso o pai precisasse de alguma coisa. Cerca de um mês depois, Moisés recebe uma ligação do filho de seu benfeitor, informando que o pai necessitava de uma delicada intervenção cirúrgica que era melhor realizada em um hospital em Boston e que eles não poderiam arcar com todas as despesas. Moisés, então, não mede esforços para retribuir ao generoso senhor a bênção que recebera cerca de um mês antes e financia a vinda do mesmo bem como a sua cirurgia em Boston. Não satisfeito, decide acompanhar pessoalmente o procedimento, viajando, naquela manhã de terça feira, de Nova Iorque para Boston. Por este motivo, Moisés não estava trabalhando em seu escritório no 101º andar do World Trade Center, naquela manhã fatídica de 11 de setembro de 2001.
Lembrei dessa história vendo ALÉM DA VIDA. Não que o filme a reproduza ou traga alguma lição sobre as vantagens metafísicas da gratidão e do altruísmo. Absolutamente não. É um filme sobre este fenômeno tão misterioso quanto aterrador, que é a morte. Contudo, não é um filme mórbido ou assustador, mas certamente um que lança sobre a iniludível um olhar delicado e sábio próprio de um senhor de quase 81 anos, como o de seu diretor, Clint Eastwood, que certamente deve se relacionar com a mesma de maneira muito mais presente do que este que vos tecla.
O filme narra a história de três personagens que, de alguma maneira, se relacionaram com a morte de forma significativa. Marie (interpretada pela não menos que belíssima Cécile De France), uma renomada jornalista francesa que após uma experiência de quase-morte no tsunami na Ásia experiencia um novo paradigma de vida. Marcus, menino introvertido e inseguro, cujo irmão gêmeo, mais extrovertido e confiante, morre inesperadamente. E George (Matt Damon, competentíssimo como sempre), médium que, após uma carreira extenuante como vidente, nada mais deseja do que uma vida normal. E esta relação de cada um deles é bastante arquetípica quanto a maneira, em geral, com que as pessoas lidam com a morte.
Marie simboliza o materialista mais ligado às coisas do dia-a-dia que passou por uma experiência místico-espiritual e encontra resistência na sua vida social à nova concepção de vida que passou a experimentar. Marcus é a criança que surge em cada um de nós quando perdemos alguém que amamos e confiamos sendo bastante simbólica a sua busca por se comunicar com o irmão falecido, esbarrando inevitavelmente com inúmeros charlatães, como é bastante comum entre aqueles que não se conformam com o ocorrido. Ao mesmo tempo, a ingenuidade de Marcus serve ainda como um interessante mecanismo de controle de veracidade das comunicações uma vez que ele não tem qualquer preconceito quanto as diversas correntes espiritualistas que busca, estando livre de qualquer modelo pré-concebido do que seja a realidade da vida após a morte, o que, por conseqüência, o deixa livre para avaliar a qualidade das comunicações que recebe sem se deixar levar pela auto-sugestão. E finalmente, George, um médium genuíno que tem dificuldades de conciliar suas faculdades anímicas com a rotina do homem comum que gostaria de ser, uma vez que, ao que parece, as pessoas que o cercam somente parecem dispostas ou a o idolatrarem, ou a o temerem ou a tentarem se aproveitar dele. É interessante a opção por mostrar justamente o período em que o personagem experimenta uma espécie de “aposentadoria voltuntária”, em que está mais reflexivo quanto ao dom que possui, considerando-o uma maldição, o que certamente potencializará uma eventual catarse futura.
Toda a narrativa é construída sem pressa, com bastante sensibilidade e delicadeza, apresentando aos poucos os personagens e suas histórias. Merecendo destaque a sequência inicial do Tsunami (não tanto pelos efeitos especiais que, creio, poderiam ser um pouco mais realistas – penso haver enxergado algumas pessoas transparentes fugindo da onda) que consegue criar um clima de tensão justamente por demorar-se na ambientação da locação paradisíaca e tranqüila onde aquela tragédia apocalíptica, quase absurda, aconteceu. Vamos assistindo Marie desfilar por aquelas ruas tranqüilas e bucólicas extremamente penalizados por sabermos o que acontecerá dentro em pouco e não é à toa que também neste momento se crie uma identificação com uma criança, uma vez que nada nos soa mais anti-natural e injusto do que uma tragédia dessas vitimar um ser tão puro e inocente. Eastwood desfila ainda a sua elegância ao elevar a câmera para o céu imediatamente após a morte da outra criança, cortando para um avião em pleno vôo como a remeter à lúdica noção de que os que morrem “vão para o céu” - como invariavelmente é explicado o fenômeno da morte aos pequenos, que em sua pouca capacidade de abstração não raro crêem que tal viagem se faz de avião. Sem mencionar que no citado vôo estão outros personagens, ou seja, o encadeamento e o corte servem organicamente às duas narrativas.
Envolvendo cada uma dessas histórias há uma sutil sincronicidade que me lembrou a história contada pelo rabino. Mesmo estando cada personagem em um país diferente (Marie na França, Marcus na Inlgaterra e George nos EUA) desde o início vamos aguardando o momento em que eles se encontrarão e, obviamente (e isso não é nenhum spoiler), que isso acontece em um dado momento do filme graças a algumas pequenas coincidências, muito embora, é certo, coincidências não tão contundentes (mas não menos importante) quanto a da história de Moisés. Um pouco do arco dramático de cada personagem depende deste encontro e, no final, após toda demonstração de talento do Sr. Eastwood para contar uma bela história, não faz tanta diferença assim que isso se dê nos poucos minutos finais da projeção. Já estamos absolutamente seduzidos por aqueles personagens e, sim, amadurecemos um pouco com a trajetória de cada um deles.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Se

Aos que ainda não viram, fica a sugestão como reflexão para este ano que está começando.


SE

Se, ao final desta existência,
Alguma ansiedade me restar
E conseguir me perturbar;
Se eu me debater aflito
No conflito, na discórdia...

Se ainda ocultar verdades
Para ocultar-me,
Para ofuscar-me com fantasias por mim criadas...

Se restar abatimento e revolta
Pelo que não consegui
Possuir, fazer, dizer e mesmo ser...

Se eu retiver um pouco mais
Do pouco que é necessário
E persistir indiferente ao grande pranto do mundo...
Se algum ressentimento,

Algum ferimento
Impedir-me do imenso alívio
Que é o irrestritamente perdoar,

E, mais ainda,
Se ainda não souber sinceramente orar
Por quem me agrediu e injustiçou...

Se continuar a mediocremente
Denunciar o cisco no olho do outro
Sem conseguir vencer a treva e a trave
Em meu próprio...

Se seguir protestando
Reclamando, contestando,
Exigindo que o mundo mude
Sem qualquer esforço para mudar eu...

Se, indigente da incondicional alegria interior,
Em queixas, ais e lamúrias,
Persistir e buscar consolo, conforto, simpatia
Para a minha ainda imperiosa angústia...

Se, ainda incapaz
para a beatitude das almas santas,
precisar dos prazeres medíocres que o mundo vende...

Se insistir ainda que o mundo silencie
Para que possa embeber-me de silêncio,
Sem saber realizá-lo em mim...

Se minha fortaleza e segurança
São ainda construídas com os materiais
Grosseiros e frágeis
Que o mundo empresta,
E eu neles ainda acredito...

Se, imprudente e cegamente,
Continuar desejando
Adquirir,
Multiplicar,
E reter
Valores, coisas, pessoas, posições, ideologias,
Na ânsia de ser feliz...


Se, ainda presa do grande embuste,
Insistir e persistir iludido
Com a importância que me dou...

Se, ao fim de meus dias,
Continuar
Sem escutar, sem entender, sem atender,
Sem realizar o Cristo, que,
Dentro de mim,
Eu Sou,
Terei me perdido na multidão abortada
Dos perdulários dos divinos talentos,
Os talentos que a Vida
A todos confia,
E serei um fraco a mais,
Um traidor da própria vida,
Da Vida que investe em mim,
Que de mim espera
E que se vê frustrada
Diante de meu fim.

Se tudo isto acontecer
Terei parasitado a Vida
E inutilmente ocupado
O tempo
E o espaço
De Deus.
Terei meramente sido vencido
Pelo fim,
Sem ter atingido a Meta.

Hermógenes


paz.