terça-feira, 23 de novembro de 2010

Up and coming

Apesar dos pesares, este não é um blog de cinema. Também o é, mas n ão só. É uma mistura de querido diário, diazepam e mensagem na garrafa lançada ao mar. Uns mais e outros menos, não necessariamente nesta mesma ordem.
Eu fui no show do Paul McCartney. Foi uma mistura de tanta coisa. Estava longe, mas ver aquele pequeno ponto azul surgir no palco acenando com um spotlight só para ele me emocionou. Finalmente pude entender o que sentem menininhas em seus faniquitos juvenis, mas de uma forma comedida, claro, porque tenho uma reputação a zelar. Eu estava no show de um dos caras que revolucionou a música mundial. Eu ouviria (e veria) ao vivo as músicas que eu ouço desde criança. A voz dele não sairia da gravação de uma fita cassete, de um cd ou de um arquivo digital. Sairia da garganta dele, só um tanto amplificada por aparelhos de som ultrapotentes (mas isso é só um detalhe). Quando All my loving ecoou pelas arquibancadas do Morumbi, foi como voltar há quarenta anos e estar diante da histeria coletiva que era um show dos quatro rapazes de Liverpool, dos reis do iê iê iê (iê iê iê é muito engraçado). Lembrei de tanta gente e de tanta coisa que eu não vivi.
- Em dado momento, um ambulante passa gritanto “Olha a breja!” Todos mandam ele calar a boca.-
Let it be. Eleanor Rigby. Give peace a chance. Yesterday. Foram as que mais me emocionaram.
Fiz o videozinho de um trecho de “Yesterday” para eu ter quando quiser lembrar e para dividir com vocês. Reparem que lindo 64 mil pessoas cantando (exceto para os desafinados perto de mim, claro).

Agradecimento ao meu primo Rodrigo, sem o qual estes momentos não teriam sido possíveis.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

As cartas psicografadas por Chico Xavier


Conta-se nos arraiais espíritas que, certa vez, o ilustre Bezerra de Menezes estava proferindo uma conferência, salvo engano na Federação Espírita Brasileira no Rio de Janeiro, quando foi interrompido por uma pessoa da plateia que, dizendo-se materialista, desafiou-o a participar de um debate em que, desde já, comprometia-se o desafiante a desmascarar as fraudes do Espiritismo. Bezerra, então, calmamente, teria aceitado o desafio, mas impôs uma condição: que o sujeito levasse ao debate ao menos uma pessoa entre "aqueles que o Materialismo tenha socorrido no mundo". Diz-se que o sujeito abaixou a cabeça e não contra-argumentou.
Esta passagem normalmente é utilizada para ressaltar a robustez dos princípios da Doutrina Espírita, como se o mero fato de a mesma confortar certas inquietações humanas ancestrais (medo da morte, saudade dos entes queridos que morreram) a conferisse status de verdade absoluta. Diga-se que o próprio Kardec se utiliza desta técnica argumentativa em sua obra “O céu e o inferno – ou Justiça Divina segundo o Espiritismo” quando, no capítulo I, entitulado “O porvir e o nada”, sustenta, em síntese, que a teoria da individualidade antes e depois da morte é mais apropriada do que a teoria do nada e a da absorção por que mais confortante. Entretanto, a mesma razão tão enaltecida por Kardec em seus escritos nos inclina rapidamente a perceber que algo não é verdadeiro pelo simples fato de ser bom. Creio tratar-se de uma falha argumentativa conhecida como petitio principii, que é a que ocorre quando se pressupõe como verdadeiro no argumento justamente o princípio que deveria ser provado pelo mesmo. Se não houver vida após a morte, o fato de alguém acreditar nesta teoria pelo simples fato de ela ser reconfortante não a fará verdadeira. Milhares de crianças acreditam em Papai Noel, entretanto, pelo que se saiba, infelizmente, o bom velhinho não existe. Eu creio na veracidade da Doutrina Espírita muito mais pelas minhas experiências de vida e meus estudos a respeito do que por simplesmente ser confortado por ela. Entretanto, que seus postulados confortam, isso é indubitável. E é justamente este aspecto que o filme AS CARTAS PSICOGRAFADAS POR CHICO XAVIER busca enfocar. O filme não tem por objetivo atestar a veracidade ou falsidade das cartas, muito menos fazer proselitismo ou atacar a Doutrina Espírita, mas simplesmente mostrar os dramas humanos por trás das famigeradas missivas. Basicamente, é um filme sobre memória, saudade e afeto. Sobre mães e filhos, amor e perda. Nesse sentido, é emblemática a opção da diretora por, em algumas cenas, ler em off as cartas dos filhos mortos tendo por imagem o local (poltrona, cadeira, sofá) onde os pais deram seus depoimentos, só que vazios. Além de ambientar o espectador no espaço do entrevistado, aproximando-os, provoca uma reflexão acerca da dicotomia ausência/presença. Enquanto os pais estão, os filhos não estão e vice-versa. Em outros momentos ela opta por filmar os manuscritos originais, que são manuseados pelas próprias mães destinatárias das cartas, o que nos remete não só ao carinho com que as mesmas guardam os escritos (a maioria deles recebidos há quase trinta anos), mas principalmente à dor que sentem pela morte de seus filhos. Sim, mesmo depois de quase trinta anos, fica nítido o quão traumática foi a experiência para cada uma delas. As mensagens, é bem verdade, tem muito em comum. A maioria dos filhos demonstra preocupação com o estado emocional das mães, dizem das belezas indizíveis dos lugares onde agora se encontram (dois deles demonstram vontade de desenhar para expressar o que as palavras não dizem) e fazem belas e emocionadas elucubrações filosóficas sobre a vida e a morte. Alguns podem torcer o nariz para as inclinações poéticas dos remetentes, mas isso me levou a pensar em o que eu escreveria para a minha mãe caso estivesse morto e a visse sofrendo. Sem dúvida, eu também importunaria o Chico para que, em vez de uma carta, eu pudesse fazer uma pintura para ela.
Os missivistas aproveitam também para mandarem recados específicos para um e outro parente e darem notícias de outros que já estavam do lado de lá, o que é bastante impressionante, uma vez que todas as mães são unânimes em afirmar que não havia como o médium ter acesso àquelas informações.
É bem verdade que se pode questionar sobre a real eficácia terapêutica das cartas. Muitas daquelas senhoras não se contentaram em receber somente uma carta e somente através de Chico Xavier, o que pode evidenciar justamente um apego cada vez maior à perda e ao luto. Entretanto, não tenho cabedal para ficar julgando se umas dores são maiores que as outras (principalmente a dor dar perda de um filho), e muito menos para elucubrar sobre qual seria o efeito terapêutico mais desejável. No fim das contas, o que fica nítido é que provavelmente sem aquelas cartas tudo poderia ter sido muito pior para elas.
Cristiana Grumbach faz um trabalho bastante delicado na direção, além de revelar-se uma entrevistadora sensível e atenta, com o mesmo respeito ao entrevistado e ao momento da entrevista de seu indubitável mestre Eduardo Coutinho.
No folder de divulgação do documentário, Cristiana publicou um belo texto que é bastante revelador quanto à alma do filme, que passo a reproduzir:
“Esse não é um filme autobiográfico, não participo dele na condição de alguém que viveu história semelhante. Tiver perdas de pessoas queridas, como quase todos, mas essas histórias não fazem parte do filme.
“Ao mesmo tempo, nesse filme está o encontro com a mãe que me tornei ao longo de sua realização, com ele estou aprendendo esse amoroso ofício. E dedico o filme à minha mãe, alguém que me fez pensar sobre a vida e a morte a cada instante.
“Aprendendo a ser mãe, escrevendo uma nova história com a minha mãe que hoje vive em mim e em meus filhos – assim é que este filme me fala. E com ele quero ligar os elos que nos fazem corrente de vida, sem ponto. Cristiana Grumbach”

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Uma ou duas palavras sobre: Xavier Dolan.


Xavier Dolan é canadense, 21 anos, e diretor de dois filmes: EU MATEI MINHA MÃE (2009) e AMORES IMAGINÁRIOS (2010). O terceiro, que segundo a wikipedia contará a história de um transexual, está previsto para estréia em 2012 e tem o título provisório de LAURENCE ANYWAYS.
Dele, assisti primeiro AMORES IMAGINÁRIOS na repescagem do Festival do Rio deste ano e devo dizer que foi uma gratíssima surpresa. Cheguei a ensaiar um texto a respeito, mas acabei não concluindo por razões que ainda me são obscuras, pois o filme possuía méritos inquestionáveis para serem comentados aqui.
Xavier Dolan não só é o diretor destes dois filmes, como escreveu o roteiro e ainda atuou. Logo, não é à toa que vem causando frisson nas mais importantes premiações internacionais. Devo dizer: com a despretensão de um autêntico gênio, o rapaz conseguiu construir obras lindíssimas do ponto de vista visual (o seu apuro estético é algo estarrecedor para alguém de tão pouca idade) com roteiros simples, mas muito bem construídos. Não fala do que não entende. Pelo contrário, o seu filme de estréia, EU MATEI A MINHA MÃE, tem visíveis e confessadas cargas autobiográficas. Homossexual, também não deixa de relatar seus dramas e decepções, entretanto, sem panfletos ou qualquer tipo de apelação ou estereotipação.
EU MATEI A MINHA MÃE conta a história do jovem Hubert, de 17 anos, que vive uma relação para lá de conturbada com a sua mãe, Chantale. Poderia ser um filme banal e ingênuo sobre conflitos de gerações, mas é um competente estudo de personagens. Como não poderia deixar de ser, flerta com a comédia com leveza, mas deixa bem claro que o que busca retratar é o drama da dificuldade de comunicação entre duas pessoas que se amam, mas não sabem conviver com isso (num dos diálogos mais bonitos, após uma discussão, Hubert grita para ela raivoso com lágrimas nos olhos “O que você faria se eu morresse hoje?”, vira as costas e sai. Ela, então, sussurra baixinho sem coragem de dar o braço a torcer quanto a decisão que impôs ao filho, mas reconhecendo para si mesma com os olhos marejados: “Eu morreria no dia seguinte”).
AMORES IMAGINÁRIOS é uma comédia romântica. Narra a história dos amigos Marie (a ótima Monia Chokri) e Francis (Dolan) que tem sua relação abalada quando conhecem Nicolas, belo rapaz pelo qual ambos se apaixonam e passam a disputar a atenção, muitas vezes se sabotando mutuamente. O filme ainda é permeado de uma série de depoimentos aleatórios, mas bem humorados, num tom documental, sobre relacionamentos afetivos (destaque para a menina que lembra a Rossy de Palma, só que adolescente, de óculos e canadense, cujo depoimento abriga alguns dos melhores momentos da projeção – que Dolan a utilize mais vezes!) e possui muitas de suas marcas registradas já muito bem utilizadas no outro filme: câmera lenta em cenas de alguma emotividade extrema, cores fortes, pequenas inserções icônicas um tanto kitsch (pense na imagem de Nicolas, loiro feito um anjo sob uma chuva de Marshmallow brancos num fundo azul neste filme ou na mãe de Hubert fantasiada de santa chorando sangue, no outro) e uma trilha sonora muito peculiar e de excelente qualidade (será que é facilmente encontrável?) – exemplo disso é a versão de “Bang bang (my baby shot me down)” que embala o trailer desta produção.
É evidente que ainda é cedo para fazer previsões sobre o futuro de Xavier Dolan. O sujeito só tem 21 anos e possui somente 2 filmes nas costas (ok, há certa ironia na utilização destes “só” e “somente”), muita coisa ainda pode acontecer, claro, mas a julgar pelo talento e criatividade que o cara mostrou com tão pouca idade e em tão poucas obras, não é difícil prever o que virá por aí. Já na expectativa pelo novo filme do Xavier Dolan.