quinta-feira, 29 de julho de 2010

Sobre "Viajo porque preciso, volto porque te amo"


Só para constar. Como já deve-se ter percebido, não tenho, ainda, preocupação em escrever somente sobre filmes que estão estreando, escrevo sobre filmes que vejo, que não necessariamente acabaram de entrar em cartaz, ou ainda que não ficarão em cartaz por muito tempo ou até sobre alguns que já saíram de cartaz (ainda não o fiz, mas está nos projetos). Enfim, vocês entenderam.
Desta forma, não sem algum pesar, falarei só hoje de “Viajo porque preciso, volto porque te amo”. O pesar não é porque eu não tenha gostado do filme e escrever sobre ele seja chato, em absoluto, mas sim porque me parece ser um filme que já deve estar saindo de cartaz, e teria sido legal ter divulgado minhas impressões sobre ele antes, para que mais pessoas pudessem ter tempo de conferí-lo.
O filme narra a história de um geólogo (o Google me diz que o nome dele é José Renato, mas não lembro de em algum momento isso ser dito no filme) recém separado de sua mulher, que viaja pelo interior do nordeste para estudos e medições do impacto da transposição de águas de um rio nas comunidades da região.
A identificação do universo interior com o exterior é imediata. Tanto quanto pela paisagem árida, quase desértica, quanto pelo contexto. Logo nos primeiros minutos do filme o geólogo mostra um casal, daqueles muito humildes, que há cinqüenta anos mora na mesma casa, dorme na mesma cama, e que vai ser desalojado para que a região possa submergir. Por alguns minutos o homem sai da frente da câmera e o geólogo diz que pediu que ele voltasse por que não parecia certo aquela mulher aparecer sozinha. Pode ser que eu esteja enganado quanto às palavras, mas idéia era esta. Foi a parte que mais me comoveu.
E assim, vamos acompanhando o geólogo por sua viagem, suas anotações técnicas e suas divagações emocionais. Ele é geólogo, ela botânica. Ele sente amores e ódios repentinos por ela e fez aquela viagem para tentar esquecer o pé na bunda que ela lhe deu. Só que, em toda aquela solidão, ele só faz lembrar. “Viajo porque preciso, volto porque te amo” foi uma frase que ele viu na porta de um dos banheiros por onde passou e que ele tinha vontade de dizer pra ela. Mais tarde, ele subverte um pouco e diz “viajo porque preciso e não volto porque te amo”.
Em momento algum o geólogo aparece. O tempo todo ele nos narra, em off, as suas desventuras amorosas entrecortadas por relatórios técnicos dos aspectos geológicos das regiões por onde passou (numa possível metáfora do seu estado emocional). As imagens são algo entre uma câmera subjetiva (aquela em que a câmera faz as vezes do próprio personagem) e um registro de viagem. Um tanto menos disso e um tanto mais daquilo. Ou vice-versa. Ainda há as fotografias, remetendo tanto ao mero registro, como à monotonia da vida naquelas regiões. O resultado é uma bela poesia visual que me pareceu ter a pretensão de ser tão involuntária e desproposital quanto a beleza daquelas paragens inóspitas.
Com essa combinação, cria-se uma mágica e sólida proximidade com o personagem. Estamos vendo o que ele vê, ouvindo seus pensamentos e sentindo o que ele sente e, muitas vezes, ao som da música brega das rádios que ele ouve. E é bem verdade que se por um lado, seu gosto musical revela um traço da classe social a qual ele pertence, por outro, funciona como uma bela (isso mesmo) trilha sonora para a baita dor-de-cotovelo que ele está sentindo. Destaque para a versão de “Último desejo”, de Noel Rosa. Muito sensível e belamente cantada por um sapateiro da beira da estrada e depois recitada pelo personagem, remoendo suas dores.
Aliás, o ator Irandhir Santos (o geólogo, não o sapateiro) faz um belo trabalho de voz. Esta é a única referência que temos do personagem, a sua voz. Quem já teve a experiência de buscar entonações variadas e verossímeis a textos escritos sabe a dificuldade que é. Com um irresistível sotaque nordestino, que suponho ser-lhe de nascença (não sei de sua naturalidade) e fazendo uso aqui e ali daquele rico vocabulário (que, ok, devia estar no roteiro, mas uma coisa é estar escrito, outra é dizer como se fosse usual) Irandhir nos faz entender todos os momentos pelo qual o personagem passa.
O filme ainda flerta com um formato documental ao mostrar as pessoas que cruzaram o caminho do personagem, como o referido sapateiro e algumas prostitutas, sendo que uma delas chega a ser entrevistada por ele. E isto não quebra a diegese do filme, uma vez que parece servir os estudos do personagem e é tudo mostrado num tom misto de humor e melancolia, carregado com o subjetivismo do mesmo.
Resumidamente, “Viajo porque preciso e volto porque te amo” é uma espécie de road movie só que com uma alta carga de introspecção contemplativa. Um check-list sentimental do personagem com seu inconformismo com o fim de um relacionamento, proporcionado pela solidão de uma viagem idealizada para o propósito contrário para o qual serviu. “Um calmante que não resolveu a dor, mas tranqüilizou o juízo”, como ele mesmo diz.

domingo, 18 de julho de 2010

contra plongée

Uma das grandes descobertas da vida é a de que obrigação não é coisa que deve vir separada de diversão. Se a obrigação, em si, não é necessariamente divertida, é importante ter um tempinho extra e se dedicar à diversão. Para respirar. Para cuidar do espírito e ter disposição para seguir adiante nas obrigações.
É bom dar um tempinho nos estudos e curtir um cineminha. Seja um blockbuster com explosão, seja um cult hermético esloveno. Quando as coisas estão preto-e-brancas demais aqui fora, é bom correr para dentro de uma sala escura onde tenha uma tela brilhante. E entrar nela.
Abaixo, pílulas sabor cinema de filmes do futuro, em ordem de minhas expectativas, a quem interessar possa:


SOMEWHERE (Sophia Coppola, previsão de estréia 22/12/2010 nos EUA)
Delícia, não? Fui correndo pesquisar qual era a trilha sonora. “I´ll try anything once” , dos Strokes. A câmera contemplativa e o tom intimista talvez remetam um pouco a "Encontros e desencontros”, mas eu não vejo isso necessariamente como um problema. Sophia Coppola definitivamente está no panteão dos cineastas que me deixam ansioso por seus próximos lançamentos. Comigo, ela tem créditos a favor justamente por causa de “Encontros e desencontros” e também por “Maria Antonieta”- por “Virgens Suicidas” nem tanto. Este está no rol dos que precisam ser revistos devido às condições adversas na primeira experiência (peguei já começado e na TV a cabo).
Infelizmente, somewhere ainda não tem previsão de estréia no Brasil.


TROPA DE ELITE 2 (José Padilha, previsão de estréia: 08/10/2010)
É inegável o quanto Capitão Nascimento conseguiu se tornar um grande personagem do nosso imaginário popular. Até hoje as pessoas falam em “pede para sair”, “zero dois”, “zero meia”, “aspira”, não sem um certo tom jocoso, como uma referência ao autoritarismo e arrogância do Capitão do BOPE imortalizado por Wagner Moura, levado às telas em 2007. O primeiro foi um filme intrigante. Não foi óbvio ao mostrar um inquietante panorama deste mosaico complexo que é a questão da segurança pública na cidade do Rio de Janeiro. Foi taxado de fascista e, em uma análise apressada e tendenciosa, pode sim, passar esta impressão, mas com um pouco de inteligência e boa vontade vê-se uma madura e ousada obra do diretor do nada fascista “Ônibus 174”.
Este segundo, para dizer o mínimo: promete.
Diz aí: quem não arrepiou a nuca ao ouvir o Capitão com seu tom sempre marrento falando da sua experiência no BOPE e aparecendo grisalho e sendo pego em uma emboscada?


THE SOCIAL NETWORK (David Fincher, previsão de estréia: 03/12/2010)
Fui tomar conhecimento desta produção justamente por causa deste trailer recém lançado. Sua trilha sonora, uma versão arrasa-quarteirão de “Creep”, clássico do Radiohead, cantada por um coro infantil (ao menos assim me soa), além de simplesmente me arrasar – no ótimo sentido - é realmente ideal como uma clara referência tanto à juventude dos inventores do Facebook, de cujas histórias o filme pretende se ocupar, quanto à eventual carência da nossa geração de usuários de redes sociais sempre tão ansiosos de se mostrarem felizes e populares quando, muitas vezes não o são, uma vez que a música fala em se sentir esquisito e inadequado.
Traz no elenco Jesse Eisenberg, o sósia do Michael Cera, e Andrew Garfield, o mais novo Homem-Aranha. A direção é do David Fincher ( de “Seven”, “Clube da Luta”, “Curioso Caso de Benjamin Button” - só para citar meus favoritos).


NOSSO LAR (Wagner de Assis, previsão de estréia: 03/09/2010)
Não, não é uma sequência de ‘Star Wars’. Sim, é um filme brasileiro. “Nosso lar” é uma das obras literárias mais conhecidas da psicografia de Chico Xavier, foi psicografada pelo médium na década de 40 e narra a história do próprio espírito autor, o Dr. André Luiz, que, quando morre depara-se com toda uma realidade para ele, até então bastante improvável de vida no além. Para se ter uma idéia “Nosso lar” é o nome da cidade espiritual para onde Dr. André Luiz vai após a morte. Não sem antes passar por uma região assustadora chamada de umbral.
O visual do trailer é surpreendente. Não há nada parecido em nossa produção cinematográfica em termos de efeitos especiais, o que, acreditem, serve à história. Espero muito, como espírita admirador desta obra e como cinéfilo, que este filme atenda às minhas expectativas de não ser um clichê lacrimogêneo com parafernalhas high tech, mas que realmente conte a história de um homem que descobre um novo paradigma de vida. A trilha sonora é do Phillip Glass. Mais um motivo para a alta expectativa.


A ORIGEM (Christopher Nolan, previsão de estréia: 06/08/2010)
Christopher Nolan lidera, no momento, as bilheterias norte-americanas com este “Inception”. “Memento”, “Insônia”, “Batman Begins”, “O grande truque” e “O Cavaleiro das Trevas” são motivos mais do que suficientes para ele me levar ávido ao cinema para conferir este seu mais novo trabalho. Segundo o imdb, eu só não citei três da sua filmografia de oito filmes até o momento. E eu só não o fiz por que eu ainda não vi estes três. Logo, se tudo o que eu vi dele até agora, eu gostei, as chances de eu não gostar deste são mínimas. Dá para ver que o visual deste filme, pelo menos até agora, é impecável, que o elenco é de primeira e que a história é bem interessante. Pelo que li, DiCaprio interpreta um ladrão com habilidade de penetrar no inconsciente de suas vítimas enquanto elas dormem e isto terá implicações na espionagem internacional. Mal posso esperar. Ainda bem que será o primeiro do grupo a estrear.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Sobre "O pequeno Nicolau"


Li, creio que na crítica d´O Globo sobre o filme, que quando os direitos da história em quadrinhos “O pequeno Nicolau” foram adquiridos pelo diretor, Laurent Tirard, a única condição imposta pelos familiares de René Goscinny (escritor) e Jean-Jacques Sempé (ilustrador) foi a de que fosse feita uma obra-prima. Pelo jeito, Tirard levou a condição bastante a sério.
As aventuras de Nicolas (ou Nicolau, como preferir o freguês), um menino de imaginação fértil o suficiente para acreditar que será abandonado por sua família pelo simples fato de supor que sua mãe está grávida e que decide fazer de tudo para fazê-la mudar de idéia (inclusive se meter nas mais deliciosas confusões), certamente são diversão garantida para todos os públicos uma vez que o filme é uma óbvia homenagem a uma das fases mais mágicas da vida, a infância.
Seja nos sentimentos de nostalgia que provocam nos adultos, seja na forma lúdica e ingênua que provavelmente entretém a criançada de hoje, tão encharcada de internet, videogames e filmes 3D (a história se passa na década de 50), o filme consegue divertir e emocionar de maneira inteligente e leve, sendo daqueles que nos faz sair do cinema com um sorriso na boca e uma lagriminha discreta no canto do olho, satisfeitos com a experiência.
Sempre ensolarado, o filme também abusa das cores numa referência clara aos quadrinhos e desenhos animados. Os enquadramentos, muitas vezes, fixam-se somente na parte inferior dos corpos dos adultos, atendo-se ao “mundo” infantil; A trilha sonora é utilizada sem pudores seja para dar um tom cômico e ágil às cenas de ação ou para brincar com outros universos diegéticos, como na cena que envolve uma busca a um gângster; Algumas cenas de natureza meramente ilustrativas da imaginação infantil tomam forma em sequências impagáveis como a envolvendo o nome de um Rio e um dos personagens em um teste ergométrico. Isto sem mencionar a feliz homenagem a Goscinny, também criador dos lendários Asterix e Obelix, numa sequência em que os pequeninos se inspiram em estratégias dos mesmos para uma de suas aventuras.
É um filme mais focado no universo masculino, mas passa longe do “humor de banheiro” (embora muitas cenas do exame médico sejam impagáveis, mas não por causa deste tipo de humor). Até porque o personagem deve ter entre 6 e 8 anos, faixa etária que a molecada está mais interessada em aprontar e enlouquecer os adultos do que com qualquer outra coisa.
Pessoalmente, considero este um filme marcante porque tenho um imenso carinho pela minha infância e muitas vezes consegui me ver naquele Pequeno Nicolau com sua família imperfeita, mas feliz, seu grupinho de amigos nem sempre corretos e sua meiga professora. Saí do cinema refletindo sobre o quanto também ter tido isso tudo foi tão importante para mim.