quarta-feira, 30 de junho de 2010

Pertencer-se

*Retirado do livro "Jesus e vida", do espírito Joanna de Ângelis, pelo médium Divaldo Pereira Franco.

Graças aos atavismos ancestrais que se demoram em a criatura humana, inúmeras dependências caracterizam-lhe a existência, na condição de conflitos e de falsas necessidades de apoio.
A identidade conturbada, não conseguindo libertar-se dos liames a que se encontra atada por indolência e comodidade, permite-se continuar sob o jugo das paixões a que se submete espontaneamente.
Cada espírito é possuidor do corpo de que se utiliza, elaborado de acordo com suas necessidades evolutivas, programado para o processo de crescimento interior, atravessando as diversas etapas existenciais conforme as próprias aspirações.
Essa dependência debilita-lhe os centros processadores de qualificação para a vida, em face da indiferença a que se aclimata, supondo não possuir forças nem valor moral para a libertação do problema. No recesso do ser, esse fenômeno é fruto do autodesamor, da incapacidade de lutar para crescer e motivar-se para desenvolver os recursos elevados que se encontram adormecidos em germe, no cerne de si mesmo.
Nem sempre, porém, dá-se conta de sua dependência afetiva, emocional, cultural, financeira, social, espiritual...
Por conseqüência, a faculdade de pensar cede lugar aos impositivos dessa aceitação, deixando-se arrastar pelas idéias e atividades de outrem, que nem sempre são corretas e edificantes, negando-se o direito de ser livre, de assumir responsabilidades.
Em face dessa condição, quando se compromete, naturalmente tem para quem transferir a culpa, isentando-se da responsabilidade de ser feliz conforme os próprios padrões...
Nesse processo, surgem os tormentos que são resultados da insatisfação, do drama decorrente da conduta infantil ou doentia, por faltar uma escala de valores que justifiquem as lutas dignificadoras e os enfrentamentos, mas que são indispensáveis à conquista da plenitude.
Enxergando a vida conforme as lentes de outrem, a capacidade de eleger o que lhe é de melhor, aquilo que proporciona felicidade, lentamente se restringe, perdendo a diretriz que deveria seguir.
A finalidade essencial da reencarnação, porém, é do crescimento intelecto-moral do espírito, em cuja conquista impõe-se o dever de ser-se livre, de identificar-se os próprios limites, mas também as incalculáveis possibilidades que lhe estão à disposição.
Ao mesmo tempo em que liberta das dependências perturbadoras, aprende a vincular-se às outras vidas, de caminhar ao lado, permutando experiências e ampliando horizontes, de forma que encontre sentido viver em sociedade, relacionando-se com tudo quanto existe.
Embora vivendo um período de pensamento mágico, no qual tudo se resolve de maneira tecnológica, imediata, fácil, bastando apenas apertar um botão ou um teclado e encontrando as respostas já elaboradas, os processos de solução prontos para serem usados, é indispensável reflexionar, medir os riscos e os sucessos, assumindo a própria identidade e a responsabilidade por cada ação...
Todavia, no que diz respeito ao trabalho de libertação, na busca do pertencer-se, caminhando com a responsabilidade dos próprios atos, sem medos nem tormentos, são indispensáveis um grande esforço, uma disposição contínua para não desistir nem desanimar, rejubilando-se, a cada passo, crescendo intimamente a cada tentativa.
Sem esse esforço pessoal, inadiável, o indivíduo prossegue na jornada em dependências que variam de circunstância, pessoa, emoção...
***
Indubitavelmente, os espíritos comunicam-se com os viandantes do carreiro carnal, interferindo nos seus pensamentos, palavras e atos. Como resultado, há um intercâmbio incessante entre as duas vibrações que envolvem os encarnados e os desencarnados, sendo natural que, de acordo com os padrões de conduta decorrentes do cultivo de idéias, da vida interior, haja a vinculação por afinidade.
Como pululam em volta do planeta os espíritos infelizes, em razão do seu estágio evolutivo, mais facilmente ocorre vinculação com os mesmos, isto quando o fenômeno não tem procedência em existência anterior, em decorrência do comportamento havido entre ambos, no caso, dando lugar aos processos obsessivos.
Dessa forma, a dependência do encarnado caracteriza-se pela submissão à influência morbosa do seu comparsa espiritual.
Inabituado a assumir decisões dignificadoras, deixa-se arrastar pelas idéias pessimistas e perturbadoras que lhe são transmitidas, passando à condição de vítima de uma parasitose infeliz, que termina por roubar-lhe as energias, trabalhando pelo seu deperecimento, desequilíbrio total e desencarnação antecipada...
O inconsciente, reconhecendo a culpa em decorrência da ação anterior infeliz, deixa-se dominar pelo agente perturbador, facultando-se a dependência, que o paciente aceita sem murmuração...
Iniciando-se o processo espiritual libertador, o espírito viciado na aceitação da circunstância danosa, não se permite o esforço de recuperar o equilíbrio, a sanidade mental ou emocional, ou mesmo física, prosseguindo espontaneamente a carregar a cruz que lhe pesa na consciência.
Aceitando a condição de vítima, não se esforça pela reconquista da identidade própria, deixando de pertencer-se, de avançar no rumo da alegria e do bem-estar que a todos se encontram destinados, fugindo para a autocompaixão, a autocomiseração.
O corpo pertence ao espírito que nele se encontra renascido, para as excelentes realizações evolutivas e nunca aos invasores da sua consciência...
Cada indivíduo deve esforçar-se ao máximo para preservar a sua independência interior, laborando em favor da autoconfiança, do auto-esforço, trabalhando a auto-iluminação.
Ninguém pode realizar este mister, exceto o próprio espírito, porquanto somente o seu cabedal de experiências facultar-lhe-á desenvolver-se intelecto-moralmente, em cada etapa, tornando-se melhor do que na anterior.
Desse modo, ninguém renasce, no mundo físico, para sofrer, senão para reeducar-se, para recuperar-se dos delitos infelizes, para crescer na direção de Deus.
Nunca, pois, justificáveis as expressões: “não posso”, “não consigo”, “não tenho forças”, todas decorrentes da indolência mental e da acomodação pessoal, não obstante os danos de que sejam portadores.
***
Recupera-te dos efeitos perniciosos da tua atual ou anterior existência, trabalhando as tuas forças morais, confiando em Deus e a Ele entregando-te sem reservas, lutando com tenacidade a fim de venceres as tendências inferiores que teimam em jugular-te ao eito das dependências negativas.
Ergue-te ao amor e o amor te conduzirá pela senda libertadora, autopertencendo-te e conquistando o espaço que te será reservado no processo da evolução.

domingo, 27 de junho de 2010

Beatriz sincera

Beatriz,
por favor, olha pra mim
e, pelo menos uma vez,

minta.

Como se não houvesse verdade,
conte-me uma mentira
sobre o que eu quero ouvir

e sobre o que você não quer falar.

Apenas minta.

Se todo mundo mente,
Beatriz,
por que só você
tem que ser
sincera?

Diga que me ama.
Diga que me odeia.
Diga o contrário.
Diga qualquer coisa,

mas minta.

Sem pudor
e sem receio,
nua de verdade.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Sobre "Quando eu fiz 27 anos"

A idéia de um reality movie jamais foi tão ousada quanto a que se vê neste projeto. Conceitualmente, o filme é mais ou menos uma mistura de “O Show de Truman” com o seriado de TV “24 horas”, uma vez que acompanha em tempo real, só que com câmera subjetiva, a vida de Gabriel, um jovem brasileiro de classe média tentando encontrar uma maneira de ser feliz a cada dia.
O grande trunfo do filme está justamente na sua capacidade de nos fazer refletir sobre a beleza da simplicidade do dia-a-dia e o quanto se pode aprender diariamente sobre as mais diversas questões, desde as mais corriqueiras às mais profundas, bastando ter apenas um pouco de boa vontade e estar mais atento ao que a vida oferece. Lendo assim, até parece clichê, mas é certo que este é só um apanhado geral. Cinematograficamente é uma experiência muito mais intensa e rica do que o que aí foi, completamente distante de qualquer clichê.
É com imensa ternura que acompanhamos a sua infância mágica, sempre ensolarada e recheada de brincadeiras. Outro não é o sentimento quanto à sua vivência familiar. Dá para sentir quase fisicamente o carinho e o amor que unem todas aquelas pessoas. Apesar de todos os problemas, a impressão que dá é a de que há um acordo tácito de total cumplicidade entre eles. Mesmo que lhes custe os mais caros apegos e que haja brigas e mágoas, parece que, no fundo, eles sabem que acabarão se perdoando mutuamente e que o que veio antes, fez parte do processo de aprofundar estes laços tão fortes.
Entretanto, como nem tudo é um mar de rosas, não é tão difícil se identificar com a comédia de erros que é sua vida amorosa e com suas incertezas quanto a sua vida profissional (o personagem engrossa as estatísticas dos milhares de brasileiros que estudam para serem aprovados em um concurso público). E é aí que se torna evidente a humanidade do personagem principal. Nem sempre ele está apto a perceber e aproveitar as diversas oportunidades de aprendizado e acaba repetindo inúmeras vezes o mesmo erro, como qualquer um pode fazer.
Por outro lado, Gabriel conta com amigos tão fundamentais em sua vida que os mesmos foram responsáveis por ajudar a transformar uma faculdade de direito em algo interessante, os carnavais longe da folia em uma catarse espiritual e os momentos difíceis em abraços que o apoiaram quando tudo parecia que ia cair.
Os únicos problemas são que o filme é um tanto longo (já são 27 anos de projeção, sem previsão de fim até o momento) e, por vezes monótono (não só nos momentos em que Gabriel estuda, assiste aula ou dorme – acreditem!), mas, sem dúvida, o maior de todos é que o filme só pode ser exibido para somente um espectador, sendo certo que é absolutamente apaixonante justamente no que apresenta de revolucionário neste quesito. Contando com uma altamente secreta porém ancestral tecnologia, o filme permite um conceito de interatividade jamais visto no cinema, dando poder a este único espectador de intervir em todas as tramas e mudar completamente os rumos de sua história, se quiser.

domingo, 20 de junho de 2010

Sobre "Tudo pode dar certo"


Não lembro exatamente onde li (suspeito que seja no bom e velho “Cinema em Cena”) que Woody Allen, indubitavelmente um dos cineastas mais prolíficos da nossa época, normalmente produz um filme em cada estação do ano, e que, quando o projeto ainda não tem um nome definido, é chamado de “Projeto de verão do Woody Allen” ou “Projeto de primavera do Woody Allen”. Seja esta uma informação verdadeira ou pura invencionice da minha mente desvairada, fato é que a extensão de sua filmografia é algo invejável. É óbvio que nem sempre o resultado é exatamente uma obra prima (vide “Scoop” que considero ruim e “A maldição do escorpião de Jade” que eu só vejo valor na presença da Helen Hunt – sério!), mas digo sem medo de ser feliz que, para o meu gosto, e para os filmes que já vi dele, normalmente gosto de seus trabalhos e vejo qualidades neles.
Certamente por conta desta sua alta performance (ops!) cinematográfica, o cineasta revela tamanho traquejo ao narrar uma história no cinema que a impressão que dá é a de que, alguma vezes, a máquina está azeitada até demais. Desde detalhes bobos como a utilização das mesmas fontes nos créditos iniciais até uma saída do armário nada sutil de um determinado personagem, podem revelar, vá lá, uma certa preguiça, mas não chegam, obviamente, a atrapalhar o resultado final.
Basicamente fundado no roteiro, sem grandes requintes em termos de forma, mas divertido e inteligente em conteúdo, “Tudo pode dar certo”, flerta descaradamente com a informalidade de um papo de botequim. Logo no início, após o personagem principal expor com impaciência sua visão sobre política e religião, justamente em um papo de botequim, ele levanta, olha para a câmera e dialoga com o espectador sem o menor pudor – para terror dos demais personagens e de um menino que anda na calçada com sua mãe (“Look, ma! This guy is talking to nobody!”). E este é o tom do filme. Um tanto apressado, um tanto histérico e um tanto irônico, mas bastante informal.
“Tudo pode dar certo” é um filme que tem no acaso o seu protagonista e apresenta a visão de um físico pessimista e com tendência suicida sobre o acaso, o amor, Deus e a morte. Não precisa muito esforço para entender que Boris Yellnikoff, interpretado com carisma e histeria por Larry David, é o alter ego da vez de Woody Allen. Sempre resmungando ou com uma tirada pessimista sobre a vida, o sujeito consegue inspirar, ao mesmo tempo, repulsa, compaixão, empatia e piedade sempre que aparece com seu sarcasmo afiado vestindo seu robe andrajoso com camisa e samba-canção. É absolutamente engraçado e desprezível, ao mesmo tempo, o hábito que ele tem de lavar as mãos cantando parabéns para você, pois o tempo da música é o suficiente para matar todos os germes.
Depois de uma desilusão amorosa, Boris conhece Melody St. Ann Celestine (Evan Rachel Wood, quase uma Linda Ash, personagem de Mira Sorvino em “Poderosa Afrodite”) uma jovem vinda do Mississipi que ele encontra na rua e resolve dar abrigo quase que contra a sua vontade. Melody, obviamente, é o oposto de Boris. Jovem, bem humorada e excessivamente tola. Em um momento do filme, Boris afirma que “a vida não é teoria” e, em outro, que casamento é só uma “ilusão sem sentido para aplacar o pânico”, mas obviamente que ele acaba caindo na própria armadilha, teorizando sobre a vida várias vezes e casando-se (e isso não é spoiler).
A crítica aos costumes da América Profunda e a rigidez de sua visão de mundo excessivamente republicana e religiosa beira o clichê, mas não deixa de ser compreensível dada a evidente abordagem simbólica de todo o filme.
No final, fiquei com a impressão de que Boris não é exatamente um pessimista. Sua visão de que o acaso comanda e que, no fim, tudo pode dar certo, até as situações mais improváveis, revela não um pessimismo com a vida, mas a nossa perene imaturidade para lidar com as expectativas.

sábado, 12 de junho de 2010

'...se eu posso pensar que Deus sou eu"


Eu sempre tive medo de enlouquecer. Por mais que me cause repulsa a normalidade excessiva, confesso que sempre tive medo de entrar em uma outra freqüência e não voltar mais. Por mais que eu perceba que a cada dia entramos numa outra freqüência e que não podemos mais voltar e que, a cada dia, perdemos mais contato com a realidade, eu tenho medo de enlouquecer. Medo bobo. A loucura é saudável. É para as mentes maravilhosas que os corpos de metais pesados não conseguem suportar, mas mesmo assim eu tenho medo de um dia acordar e não ter dúvidas de que eu sou Napoleão em Santa Helena. O meu cotidiano, o meu ponto de ônibus e a minha angústia, os odeio todos, mas são meus. E são tão calmos. Em dado momento, cuido deles como quem cuida de suas lembranças de infância, com carinho e segredo, mas a maior parte do tempo eu não quero rotina, cobiço um carro de marca e um lexotan. E, ainda assim, tenho medo de enlouquecer.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

You look like you're losing your soul

Estas letras assim grafadas ficaram ecoando em minha retina. Desconstruiu toda ficção mórbida e me fez acordar pesado, meio que temeroso de não saber como fazer para não perder minha alma. Ela é pouca coisa, mas é minha, ou melhor, sou eu. E eu é justamente tudo o que eu posso ser.
Que seja!