sexta-feira, 23 de abril de 2010

Quem não lê...


Adoro ler. Desde criança, sempre gostei de historinha. Fosse em quadrinhos, livros ilustrados, sem ilustração, ou contada, nunca desperdiçava a oportunidade de me distrair, entreter, sentir coisas diferentes com uma boa história.
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O primeiro livro que ganhei foi na minha formatura de alfabetização, presente da empregada que trabalhava lá em casa, a Genilda. Salve ela!
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Era um livro sobre um menino que via desenhos em nuvens. Eu também era (sou) um menino que via (vê) desenhos em nuvens.
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Com o tempo, fui gostando menos das figuras e mais das palavras, mas sempre gostei das histórias.
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Figuras, agora, só em tela grande, com poltrona confortável, som surround de última geração e pipoca.
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Mecanismo de fuga à parte, sempre me fascinou a possibilidade de viver/ser algo além daquilo que normalmente vivo/sou. Ontem mesmo, em pleno Posto 10, em Ipanema, estava eu hipnotizado com as “As brumas de Avalom”.
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Ao mesmo tempo em que curtia um feriado ensolarado rodeado de pessoas coloridas, acompanhava, a brumosa Grã Bretanha da Idade Média com seus cavaleiros, espadas, honra e magia.
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Dali a pouco estava eu comendo biscoito Globo, dali a pouco Uther Pendragon era proclamado Rei, dali a pouco a onda quase alcançava minha cadeira, dali a pouco Igraine tinha visões com Atlântida.
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É como viver duas vidas em uma. Até houve um tempo em que achava a minha vida menos interessante do que as histórias que eu lia, mas hoje percebo o quanto é ainda mais rica a experiência de ler quando se gosta do que se vive.
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...mal fala, mal ouve, mal vê.

domingo, 18 de abril de 2010

Sobre "Os famosos e os duendes da morte"


Esmir Filho fez poesia cinematográfica da melhor qualidade neste seu trabalho de estréia em longas-metragens. Uma poesia sobre adolescência, rito de passagem e inadequação. Tudo sob a ótica de um menino de 16 anos, fã de Bob Dylan, morador de uma pequena cidade de imigrantes alemães no Rio Grande do Sul, que conhece “o mundo lá fora” somente através do monitor de seu computador, mas que, ao mesmo tempo, tem uma imensa ânsia dele.
Já nos segundos iniciais – voz, em off, do personagem principal lendo sua mais recente postagem em seu blog – o filme já diz ao que veio. Esqueça “Malhação” ou qualquer xaropada teen que Hollywood produziu, este é um filme sério. E sensível.
“Naquela cidade, cada um sonhava em segredo. Menino sem nome conheceu a garota sem pernas. Ela não tinha pernas, mas, mesmo assim, não precisava de ninguém para ir embora.” Pode parecer um tanto quanto exagerado e pretensioso, a princípio, como qualquer blog de adolescente melancólico de 16 anos, mas tenhamos paciência, vejamos o que ele tem a dizer.
“Mr Tambourine man”, em sua solidão real, posta em seu diário virtual, como um cronista trágico de sua própria vida. Tristonho e, na maioria das vezes, em silêncio, absorve e denuncia o dia-a-dia monótono e quase soturno daquela cidadezinha em que uma ponte tem significados muito mais dolorosos do que ligar uma margem a outra, do que ligar impossibilidades a possibilidades. Entretanto, mesmo melancólico, há ternura no olhar de Mr. Tambourine.
Ao longo do filme somos expostos a experimentações visuais e musicais, entremeados por um enredo simples, que vai se desvelando aos poucos, sem pressa por não ser importante o que acontece, mas como acontece. (Li algumas pessoas criticando este excesso de invencionice, mas devo dizer que comigo funcionou, me ajudou a entender melhor a vibe do filme) E assim vamos conhecendo um pouco mais da família de Mr Tambourine (sua mãe e a cadelinha Inês, esta, impagával), seu melhor amigo Diego, sua escola e seu tédio.
O tédio é quase um protagonista da história, que fica ainda mais em evidência quando Mr Tambourine descobre que Bob Dylan virá se apresentar no país e percebe que as chances de ir ver seu ídolo são, para dizer o mínimo, remotas.
Mr Tambourine fuma maconha, tem estrelinhas fosforescentes adesivas grudadas no teto do quarto, se masturba, odeia futebol, tem blog, ouve Dylan, faz sexo virtual e, em alto e bom som, junto com Diego, grita “Cu!” quando os sinos da igreja ribombam, ecoando pela cidade.
Entretanto, Mr Tambourine não é um devasso. Não faz nada que um menino de 16 anos não faça (ou não tenha vontade de fazer). O filme não faz destes acontecimentos um fim em si mesmo. Lembrem: Hollywood está a milhas e milhas de lá. Não há pornografia. Há algo de desespero. Ele sente nojo dele mesmo, confessa a um amigo virtual. Esmir diz que este é um filme que fala de afeto e de abraço. Talvez Mr Tambourine faça tudo isso para ajudar a passar o tempo, talvez para ajudar a esquecer que não verá Dylan, talvez para ajudar a esquecer que ele não cabe ali naquela cidade, naquele mundo, talvez para ajudar a esquecer o que ninguém naquela cidade quer lembrar. O inexplicável concretizado na ponte silenciosa e obscura e na figura de uma menina tristonha em vídeos oníricos gravados com o namorado em um passado não muito distante. A relação entre a menina e a ponte. Recente o bastante para doer no coração de Mr Tambourine, que aos 16 já sabe que seu lugar não é ali. Quem sabe.
Como li na crítica – acho que do Jornal do Brasil – este é um filme brasileiro de qualidade que arrisca ao não falar de favela ou da realidade nordestina. É ousado também na linguagem e eu vos digo: É um belo filme. O que num primeiro momento pode soar pretensioso se revela uma obra cujo autor sabia exatamente o que queria dizer e como dizer. Ganhou o troféu Redentor de melhor filme no último Festival do Rio. Achei digno.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Sobre "O segredo dos teus olhos"

“O segredo dos teus olhos” é daqueles filmes refinados, que, inclusive, pode se passar por um filminho à toa. Não dizem por aí que a simplicidade só se é obtida com muito trabalho? Pois bem, “O Segredo dos teus olhos” agrada a todos os públicos, dos mais exigentes, aos que só conhecem Hollywood.
Digo isso ao desavisado que não sabe que este foi o filme argentino que, este ano, ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, portanto, o filme é, sim, todo falado em espanhol. E é bom filme (talvez dos melhores que já vi). Durmamos com isso: Os argentinos sabem fazer um cinema de melhor qualidade que o nosso.
Está certo que muita gente torceu o nariz por o filme de Campanella ter desbancado “A fita branca” de Michael Heneke, mas quanto a isso gostaria de tecer algumas considerações.
Estava eu na minha maratona cinematográfica no último Festival do Rio, em outubro do ano passado, assistindo “It might get loud” (salvo engano, “Alto e bom som”, em português), documentário com Jimmy Page, The Edge e Jack White sobre guitarras (não, eu não toco e não sou profundo conhecedor), extremamente maravilhado num embalo bem rock´n roll, quando vi que estava em cima da hora para começar a sessão do filme que havia ganhado a Palma de Ouro em Cannes. “The White ribbon”. “A fita branca”. Eu estava em Copacabana e meu destino era o Cine Odeon, na Cinelândia. Maldito problema de projeção que atrasou “It might get loud” em uma hora!! Porque a estação de metrô tinha que ser tão longe do Roxy?? Enfim, sem pensar muito, rumei à Cinelândia. Quando lá cheguei o filme já havia começado. Sala cheia, tive que ir para o segundo andar, que nem sempre reserva boas surpresas.
Era um filme silencioso, extremamente expressivo em sua fotografia em sépia e em sua câmera parada. Ficou evidente que este era um recurso para reforçar uma tensão latente, a sensação de que algo devastador estava prestes a acontecer na vida daquelas pessoas de um vilarejo alemão no início do século XX. Poderia ser instigante, mas não funcionou comigo. Pelo menos naquele dia. Não sei se pelo embalo rock´n roll em que eu me encontrava ou se por ter pego o filme no meio, sem ter tempo de me preparar espiritualmente. Ou se ambos os motivos. Fato é que admito que pequei: saí da sessão antes do filme terminar. Esses dias vi que ele ainda está em cartaz aqui no Rio (só em uma sala) e que é bom eu me apressar para me redimir. (Sério, nunca antes na história deste país, Gabriel saiu de um filme antes do fim).
Dito isto, quero dizer que compreendo (ou melhor, acho que compreendo - santa pretensão!) porque “O Segredo dos teus olhos” levou a melhor. Em alguma instância algo em mim admite que é, sim um filme melhor, mas outra insiste que “A fita branca” merece o benefício da dúvida, por ter sido avaliado em condições adversas. De qualquer maneira assisti “O segredo dos teus olhos” com muito mais empolgação do que “A fita branca”.
“O segredo dos teus olhos” é comédia, drama, policial, romance... Difícil classificar. É um roteiro riquíssimo com personagens complexos e uma trama muito bem amarrada que não entrega nada de primeira nos deixando surpreender por reviravoltas instigantes. É a história de um crime. A história de um amor platônico de vinte e cinco anos de um funcionário público por sua chefe. A história de um homem de meia idade que revê momentos importantes de sua vida. Campanella consegue entrelaçar todos estes elementos narrativos que renderiam um filme autônomo cada, de forma tão habilidosa que ao invés de nos sentirmos enfastiados com tanta informação, ficamos é mais curiosos para saber o que acontecerá em seguida.
Destaque para a atuação de Guillermo Francella, como Pablo Sandoval, melhor amigo do personagem principal. Responsável pelos momentos cômicos do filme, em pouco tempo de projeção, já cai nas graças do público com suas tiradas inesperadas e geniais a ponto de torcermos para o telefone da repartição tocar só para ver o que ele irá inventar ao atender. Absolutamente irresistível, como o próprio filme como um todo, aliás.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Onde estamos?

Um amigo muito querido, relatou esta situação, ocorrida com ele, e me passou por e-mail. O nome do assunto era "Onde estamos?". Fica a reflexão.

"Foi assim que tudo se passou nesta manhã:
- Bom dia, me vê um pingado e um pão na chapa, por favor.
- Claro senhor, um instantinho só.
- Como é que essa chuva tá, né?
- Nossa nem me fale.
E ali fiquei tranquilamente tomando meu café da manhã, em pleno Largo do Machado. Passam pessoas conhecidas que me cumprimentam. Troco olhares com minha amiga que trabalha ali na cafeteira. Claro que ela não pode sentar ali e conversar porque tem os outros clientes para atender e tem sobre ela o olhar vigilante do dono da cafeteria.
Quando estava terminando de comer:
- Oi tio, paga um salgado pra mim.
- Oi rapaz, tudo bem com você – e aperto a mão do menino.
O homem do caixa, grande e forte, olha torto para ele, mas eu lhe digo:
- Fique tranquilo, eu conheço esse menino. É meu amigo.
- Mas aqui não pode pedir.
Então eu decido convidar o menino:
- Senta aí cara – minha intenção era que sentado, ele chamasse menos atenção.
Nesse momento o dono chega e fala:
- Não pode não. Aqui não é lugar para esse tipo de gente.
Esse tipo de gente... aquilo foi uma bomba em meu coração.
Não podia engrossar, afinal era amigo da garçonete e ia sobrar para ela. Olho para ela, que está lá na chapa preparando mais um pãozinho e trocamos olhares confidentes de novo.
- Espera lá fora, amigão, que eu te levo um salgado. Pode ser joelho?
- Pode sim, tio.
- Quanto deu?
- R$ 3,50
- Mais o joelho.
- R$ 5,80.
- Aqui está. Esse menino é antigo aqui – falei com lábios gentis e olhos serenos - É do Largo do Machado mesmo. Antes mesmo do senhor vir abrir seu negócio aqui. Ultimamente tem vindo uma turma grande para cá, eu sei, mas esse menino é do Largo do Machado... é dos nossos.
Guardei o troco e me despedi:
- Té logo, bom dia.
- Bom dia. Desculpe – o dono sem graça me olha como criança. E ainda lança uma justificativa razoável – é que se uma mulher entra aqui, vai ficar com medo.
- Claro, claro – saí desfilando gentilezas. E aceno um adeus a minha amiga.
Saí andando, finalmente o sol após as chuvas incansáveis. Que lugar bonito esse Largo do Machado... E a frase do dono martela em minha mente: aqui não é lugar para esse tipo de gente. Esse tipo de gente?
Onde estamos? Na Índia das castas? Na África do Sul do apartheid? Nos Estados Unidos antes de Luther King? Não, estamos no Brasil, em 2010.

Se você sente amor pela gente humana, repasse esse email e me ajude a sensibilizar as pessoas para a questão da exclusão que nossa civilização está vivendo. Chega de muros separando nossos corações.

Meu nome é André A. Pereira, sou educador, amo o ser humano. Essa história aconteceu esta manhã, dia 7 de abril de 2010, pertinho da minha casa.

paz, paz, paz!"

terça-feira, 6 de abril de 2010

Sobre "Chico Xavier - o filme"

Inspirada na mais popular biografia do internacionalmente conhecido médium mineiro - “As vidas de Chico Xavier”, de Marcel Souto Maior - a adaptação cinematográfica é bastante fiel aos episódios lá narrados. Sua infância difícil em Pedro Leopoldo, os conflitos que seu “dom” geravam a sua volta, sua extrema bondade e beneficência para com os mais necessitados. Está tudo lá. O que há de novidade, sem dúvida, está na possibilidade de humanizá-lo, torná-lo mais uma vez próximo, quase palpável (sendo certo que tal iniciativa paradoxalmente pode exalçá-lo a uma categoria cada vez mais mítica, mas eu divago). Quem, como eu, não o conheceu pessoalmente, após ver o filme, se sente um pouco próximo dele, ao mesmo tempo em que reconhece que havia algo de extraordinário sobre ele.
Sua personalidade simples, seu bom humor, sua doçura, sua mineirice irresistível e sua mediunidade intrigante foram brilhantemente captadas e expressadas por seus intérpretes. O menino Matheus Costa, e os atores Ângelo Antônio e Nélson Xavier compõem um naipe de “Chicos” extremamente cativante, praticamente impossível de não simpatizar. Aliás, de maneira geral, a escolha do elenco foi bem feliz. Giulia Gam está perfeita na pele da desequilibrada madrinha Rita, inspirando ao mesmo tempo compaixão e desprezo, Letícia Sabatella mais fofa do que nunca no, digamos, “perispírito” de Maria João de Deus e Tony Ramos e Christiane Torloni absolutamente convincentes como pais do filho morto que enviou notícias através do Chico, ele cético, ela crente. Isso sem mencionar Luís Mello, Rosi Campos e outras participações muito bem vindas, como Aílton Graça e Ana Rosa. Creio que a única atuação destoante seja a de André Dias como Emmanuel, o mentor espiritual de Chico. Aquele que é sempre retratado como um protótipo de austeridade por ter sido um senador romano, ganhou ares debochados e um tanto afetados, que lhe retiraram um pouco da credibilidade, funcionando melhor nos momentos cômicos do que nos de maior seriedade. Basta comparar a cena que envolve a questão do uso da peruca com a que envolve um problema nos olhos do médium. Outra questão que me incomodou foi o uso excessivo de trilha sonora para as passagens envolvendo mediunidade, remetendo a um clima sobrenatural que não combina com a naturalidade com que Chico convivia com o fenômeno, mas reconheço que tal assunto ainda é visto por muitos como um tabu. De qualquer forma, não chega também a ser nada tão exagerado assim. Talvez eu que seja exigente demais.
Como muitos devem ter percebido, sou espírita. Chico faz parte do meu imaginário desde sempre. Fico feliz em ver suas histórias no cinema e, para mim, é praticamente impossível dissociá-lo da doutrina que abraçou e pela qual trabalhou até sua morte, aos 92 anos, deixando um legado inestimável de exemplos e obras psicografadas de temática evangélica-espírita extremamente profundas, mas entendo que este não seja um “filme espírita”. A um dado momento, Chico, no pinga fogo, menciona princípios da evolução anímica. Foi surreal ver este tema abordado fora do centro espírita, em uma sala de cinema. Acho bastante oportuna a divulgação, mas não é um filme cujo foco principal é divulgar a Doutrina Espírita, muito embora isto ocorra reflexamente.
Aliás, creio que uma das grandes virtudes do filme é prender-se à figura do Chico e não à Doutrina Espírita. Não que a Doutrina não seja importante, pelo contrário, mas esta está fabulosamente divulgada na Codificação organizada por Allan Kardec para quem quiser estudá-la. A questão é que, mais importante do que pertencer a este ou aquele seguimento religioso, Chico Xavier foi e sempre será um homem de bem. E sempre é relevante se falar de homens de bem.